Jurisprudência TJRJ - Destituição do Poder Familiar. Manutenção. Criança em família substituta. Direito de Família
terça-feira, 02 de fevereiro de 2021, 09h28
Direito de Família. Destituição do Poder Familiar. Apelação desprovida. 1. Estando o menor em situação de risco, o poder familiar pode ser suspenso, facultando-se ao juiz, dentre outras medidas, a sua colocação em família substituta. 2. A ausência da ciência prévia dos genitores quanto à colocação da menor em família substituta não importa em qualquer cerceamento de defesa. 3. Demonstrado que os genitores abandonaram afetiva, moral e materialmente sua filha, não merece reparo a sentença que os destituiu do poder familiar. 4. Apelação a que se nega provimento.(TJRJ - APL: 00245131320138190021, Relator: Horácio dos Santos Ribeiro Neto , Data de Julgamento: 28/01/2020, DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL).
Segue abaixo colacionado inteiro teor do acórdão:
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº.: 0024513-13.2013.8.19.0021
Apelante:
Apelado 1: Ministério Público
Apelado 2:
Interessada:
Direito de Família. Destituição do Poder Familiar. Apelação desprovida.
1. Estando o menor em situação de risco, o poder familiar pode ser suspenso, facultando-se ao juiz, dentre outras medidas, a sua colocação em família substituta.
2. A ausência da ciência prévia dos genitores quanto à colocação da menor em família substituta não importa em qualquer cerceamento de defesa.
3. Demonstrado que os genitores abandonaram afetiva, moral e materialmente sua filha, não merece reparo a sentença que os destituiu do poder familiar.
4. Apelação a que se nega provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº. 0024513-13.2013.8.19.0021, em que é apelante (...), apelados Ministério Público e (...)
ACORDAM os Desembargadores da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, à unanimidade de votos, em conhecer da apelação e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Desembargador Relator.
RELATÓRIO:
Trata-se de ação de destituição do poder familiar proposta pelo primeiro apelado em face da apelante e do segundo apelado, genitores da menor (...), nascida aos 10.03.2012.
Na inicial, narra o Parquet que, aos 26.08.2012, a menor deu entrada no posto médico sem estar acompanhada dos representantes legais, ficando sob o cuidado de terceiros. Argumenta que os réus negligenciaram a saúde da criança, que foi diagnosticada com tuberculose e teve que ficar hospitalizada. Afirma que, em razão do abandono, a menor foi acolhida no lar (...) no dia 05.10.2012 e não tem recebido a visita de qualquer parente. Sustenta que, em visita domiciliar, o conselho tutelar constatou que os irmãos de (...) estavam sujos e ainda que a casa onde residem falta higiene, é desorganizada e sem ventilação. Alega que a menor se encontra submetida a tratamento cardíaco e que sua carteira de vacinação estava bastante desatualizada.
Requer a suspensão do poder familiar e, ao final, sua destituição.
A decisão de fls. 07/08 suspendeu o poder familiar.
A r. sentença de fls. 155/159 julgou procedente o pedido para decretar a perda do poder familiar dos réus em relação à menor supracitada.
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Apela a primeira ré às fls. 162/168. Sustenta a nulidade da colocação da menor em família substituta sem a prévia ciência dos genitores. Argumenta que sempre cuidou da menor da melhor maneira possível. Afirma que também se encontrava com tuberculose e teve que ser levada ao hospital. Aduz que tentou visitar sua filha no hospital, contudo sua presença não foi anotada. Alega que já terminou seu tratamento e possui residência própria, tendo condições de cuidar da sua filha. Requer o provimento da apelação para anular-se a sentença ou para julgar-se improcedente o pedido.
As contrarrazões de fls. 171/173 prestigiam o julgado.
A d. Procuradoria de Justiça opinou, às fls. 215/223, no sentido do desprovimento do apelo.
É o relatório.
VOTO:
O recurso de apelação é tempestivo, adequado e isento de preparo, na forma do art. 198, I, ECA. Impõe-se seu conhecimento.
Não merece provimento.
Destaco, inicialmente, que o processo não padece de qualquer nulidade.
A propósito, dispõe o art. 1.673 CC:
“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do
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menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.”
Estabelecem ainda os arts. 98 e 101, IX, da Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente):
“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
(...)
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
IX - colocação em família substituta.
(...)
§ 1º. O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.”
Constata-se, assim, que, estando o menor em situação de risco, o poder familiar pode ser suspenso, facultando-se ao juiz, dentre outras medidas, a sua colocação em família substituta.
No caso vertente, anteriormente à distribuição da presente ação, foi protocolada ação de acolhimento institucional nº. 0063103-93.2012.8.19.0021, na qual se determinou, aos 26.10.2012, a manutenção do acolhimento da infante na instituição Lar Jesus é Amor.
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A decisão de fls. 07/08, por sua vez, determinou a suspensão do poder familiar e a colocação da menor (...) em família substituta, em razão dos fortes elementos indicativos de negligência dos genitores para com o desenvolvimento sadio da infante.
Destarte, a ausência da ciência prévia dos genitores quanto à colocação da menor em família substituta não importa em qualquer cerceamento de defesa ou nulidade processual.
Prossigo.
No mais, acerca da destituição do poder familiar, dispõem os artigos 22 e 24 ECA:
“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
(...).
Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.”
Não é diversa a regra inserida no Código Civil:
“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.”
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No caso vertente, restou cabalmente comprovado o total abandono a que a apelante e o segundo apelado relegaram a menor.
Com efeito, restou incontroverso que a menor, nascida aos 10.03.2012 – fls. 84, deu entrada em posto médico aos 26.08.2012, ou seja, com apenas 05 meses de idade, acompanhada de terceiros, ocasião em que foi diagnosticada com tuberculose.
Durante o período em que ficou internada, que perdurou mais de um mês, a menor não recebeu qualquer assistência de seus genitores.
Ressalte-se que, em que pese a apelante alegar que se encontrava também à época sob o tratamento de tuberculose, mesma doença que acometia a infante, o documento de fls. 45 comprova que a sua alta hospital se deu aos 02.08.2012, data anterior à internação da sua filha biológica.
Ademais, ainda que a apelante tenha, eventualmente, ido visitar a menor no hospital em uma oportunidade, tal fato não afasta a sua total falta de cuidados dispensada à menor.
É o que depreende do depoimento da assistente social de fls. 147:
“que o Hospital (...) notificou o CT para procurar a família de (...), porque uma vizinha levou a menor até o hospital e até então a mãe não tinha comparecido ao hospital; que na época a criança estava passando muito mal e a vizinha percebeu e levou a criança para o hospital; que acha que a genitora compareceu uma vez ao hospital e não compareceu mais e por isso o hospital encontrou em contato com o CT; que foi na casa da genitora e ela estava; que foi a casa da família e a genitora atendeu aparentemente normal e conversando informou que toda a família estava em tratamento de tuberculose. que mostrou os remédios; que a casa estava em situação muito precária, ambiente úmido com muito objeto e lixo espalhado
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pelo chão; que a depoente e o (...) conversaram com a família sobre o ambiente da casa e ai o comportamento se modificou e a genitora começou a gritar dizendo que não era culpa dela que os filhos estavam doentes e que não iam tirar os filhos dela; que ela pegou objetos do quintal e começou a jogar na depoente; que ela disse que não tinha condições financeiras de visitar a criança; que falou também que recebia pensão das filhas dela; que foram embora depois que ela tacou os objetos; que pediu para ela se acalmar mas ela não quis mais conversar; que depois não teve mais contato; que a criança foi acolhia no lar (...);”
Ademais, conforme se depreende dos autos, a apelante permaneceu sem visitar a menor durante todo o período em que ficou na instituição de acolhimento.
O segundo apelado, por sua vez, está em local incerto e não sabido, tendo sido devidamente citado por edital, após esgotadas as tentativas para sua localização – fls. 123.
Ou seja, a prova do abandono é contundente a ensejar a perda do poder familiar.
Grife-se que, obviamente, as dificuldades econômicas enfrentadas pela apelante não se constituem causa da perda do pátrio poder. O que o justifica é o abandono, o deliberado desinteresse pela sorte de sua filha, a falta de cuidado, como restou verificado nos autos.
Grife-se, por outro lado, que, desde um ano e 3 meses de idade, a menor encontra-se inserida em família substituta, estando em curso processo de adoção nº. 0036845-12.2013.8.19.0021. Extrai-se, a propósito, do relatório psicológico – fls. 54:
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“Atualmente, (...) encontra-se bem assistida em todas suas necessidades e feliz no seio de sua nova família. Identifica o casal como referência parental e parece bem adaptada ao novo lar. (...) foi nomeada "(...)" pelo casal, que pretende alterar seu nome na certidão de nascimento. Desde a primeira visita no abrigo, a menina é chamada pelo referido nome e, atualmente, não se reconhece por (...)
(...)
A criança em tela, nomeada "(...)" pelos postulantes, encontra-se, até o momento, adaptada e feliz no seio de sua nova família, que exerce, a contento, todas as responsabilidades inerentes ao poder familiar.
Verificamos que os postulantes possuem disponibilidade afetiva para atender às necessidades da criança em tela, e ocupam o lugar da parentalidade junto à mesma.”
Em conclusão, o superior interesse da criança, sempre o norte em tais ações, é no sentido da sentença.
O apelo não prospera.
Por tais fundamentos, conhece-se da apelação e nega-se-lhe provimento.
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2.020.
Horácio dos Santos Ribeiro Neto
Desembargador Relator