Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJSP - Guarda compartilhada estabelecida informalmente após a separação dos genitores. Alegação de prática de atos de alienação parental pelo genitor. Alienação parental não configurada

segunda-feira, 15 de março de 2021, 12h31

GUARDA. ALIENAÇÃO PARENTAL. Guarda compartilhada estabelecida informalmente após a separação dos genitores. Ação ajuizada pela genitora, para alteração da guarda, de compartilhada para unilateral. Alegação de prática de atos de alienação parental pelo genitor, que não prestaria os adequados cuidados aos filhos menores. Sentença que não reconheceu a prática de alienação parental, mantendo o regime de guarda compartilhada, e fixando regime de visitas. Insurgência da genitora, insistindo na prática de alienação parental pelo genitor e na necessidade de fixação da guarda unilateral dos menores. Alienação parental não configurada. Conduta do genitor que, conquanto reprovável, não foi capaz de incutir nos menores sentimento de aversão pela genitora, por quem as duas crianças demonstram carinho e afeto. Admissibilidade da guarda compartilhada, com manutenção da custódia física a cargo da mãe. Consenso entre os pais não mais é pressuposto para a adoção da guarda compartilhada, regime preferencial adotado em lei. Regime mais adequado ao interesse dos menores, diante da aptidão de ambos os pais para exercer a guarda. Recurso improvido.(TJSP - AC: 10090472320178260248 SP 1009047-23.2017.8.26.0248, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 21/10/2020, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/10/2020).

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2020.0000860567

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1009047-23.2017.8.26.0248, da Comarca de Indaiatuba, em que é apelante T. C. DE O. (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado E. D. G..

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente sem voto), CHRISTINE SANTINI E CLAUDIO GODOY.

São Paulo, 21 de outubro de 2020.

FRANCISCO LOUREIRO

Relator

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação n 1009047-23.2017.8.26.0248

Comarca: INDAIATUBA

Juiz: Sergio Fernandes

Apelante:

Apelado: 

Interessados: Leonardo Gabriel Castilho Grana e Guilherme Miguel Castilho Grana

VOTO Nº 36.776

GUARDA. ALIENAÇÃO PARENTAL. Guarda compartilhada estabelecida informalmente após a separação dos genitores. Ação ajuizada pela genitora, para alteração da guarda, de compartilhada para unilateral. Alegação de prática de atos de alienação parental pelo genitor, que não prestaria os adequados cuidados aos filhos menores. Sentença que não reconheceu a prática de alienação parental, mantendo o regime de guarda compartilhada, e fixando regime de visitas. Insurgência da genitora, insistindo na prática de alienação parental pelo genitor e na necessidade de fixação da guarda unilateral dos menores. Alienação parental não configurada. Conduta do genitor que, conquanto reprovável, não foi capaz de incutir nos menores sentimento de aversão pela genitora, por quem as duas crianças demonstram carinho e afeto. Admissibilidade da guarda compartilhada, com manutenção da custódia física a cargo da mãe. Consenso entre os pais não mais é pressuposto para a adoção da guarda compartilhada, regime preferencial adotado em lei. Regime mais adequado ao interesse dos menores, diante da aptidão de ambos os pais para exercer a guarda. Recurso improvido.

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 246/250, que julgou parcialmente procedente a ação de modificação de guarda ajuizada por (...) reconhecer e dissolver a união estável havida entre as partes; b) manter o regime de guarda compartilhada; c) fixar regime de visitas paternas; e d) fixar alimentos aos filhos menores, conforme acordado entre as partes.

Fê-lo a r. sentença, basicamente, sob o argumento de que a união estável havida entre autora e réu é incontroversa, e que os alimentos ofertados pelo genitor foram aceitos pela genitora.

No tocante à guarda, entendeu pela inocorrência de alienação parental, ressaltando a conclusão do estudo social no sentido de que a animosidade outrora existente foi superada.

Assim, manteve o regime de guarda compartilhada estabelecido informalmente entre os genitores, e fixou visitas paternas.

Recorre a autora, alegando, em resumo, que lhe deve ser atribuída a guarda unilateral dos filhos menores. Aduz que o réu é desidioso com as questões atinentes à educação e aos cuidados dos menores. Argumenta que o laudo psicológico confirma a prática de alienação parental pelo genitor. Sustenta que a ausência de harmonia entre os genitores torna inadequado o regime da guarda compartilhada.

Em razão do exposto e pelo que mais argumenta às fls. 256/264, pede o provimento de seu recurso.

O apelo não foi contrariado (fl. 269).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 283/289).

É o relatório

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

1. O recurso não comporta provimento.

Incialmente pontuo que a insurgência da autora limita-se à manutenção do regime de guarda compartilhada e à verificação de alienação parental.

As partes não controvertem acerca da união estável, dos alimentos, nem quanto ao regime de visitas paternas fixado na r. sentença.

Pois bem.

Em que pese o inconformismo da apelante, ao longo da instrução processual não ficou evidenciada a prática de alienação parental pelo genitor.

Conforme dispõe o artigo 2º da Lei no 12.318/2010, “considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. (Grifei)

No caso concreto, a despeito da evidente beligerância entre os genitores dos menores Leonardo e Guilherme, nenhuma das condutas imputadas ao genitor apresentou envergadura suficiente a caracterizar alienação parental.

A prova técnica concluiu que se encontram incólumes os laços de afeto materno-filial em relação aos dois filhos.

psicóloga do juízo verificou que “O infante desenvolve medos das consequências dos comportamentos dos adultos de referência, caso revele seus sentimentos. Assim, entendemos que tais medos figuram a possibilidade de desamor, diante do quê, ele paralisa.” (fls. 155/156).

Embora note a conduta do genitor, o filho mais velho do casal, não as assimila a ponto de voltar-se contra afigura materna.

Ao contrário. Durante a entrevista com a psicóloga, Leonardo assentiu com as afirmações da genitora (cf. fl. 156), e admitiu melhora de seus cuidados ao conviver mais tempo com a genitora. Encontra-se devidamente preservado o vínculo materno-filial, situação incompatível com a alienação parental.

De igual modo, constatou-se a preservação da relação materno-filial em relação ao filho caçula (...): “Em hora lúdica com Guilherme, observamos respostas aos estímulos apresentados e vinculação afetiva com ambos os genitores.” (fl. 156).

Para a tipificação do ato de alienação parental não basta analisar a conduta do suposto alienante. É imprescindível que o ato praticado pelo outro genitor resulte no efetivo afastamento paterno ou materno-filial, e na rejeição do outro genitor pelo próprio filho, por incutir-se neste sentimento de aversão pela outra figura parental.

3. Reconheço que, ao tempo do ajuizamento desta ação, a conduta do genitor era reprovável, e causava certo mal estar ao filho mais velho, que acabava por intermediar o conflito entre os pais.

ao vínculo materno-filial, o cenário retratado pelo laudo psicológico data de mais de dois anos, menos de um ano após o ajuizamento da presente ação. Ainda que então se verificasse prejuízo à relação da genitora com os filhos, não se pode analisar eventual prática de alienação parental com base em situação pretérita, que não mais se verifica.

A propósito, o recente laudo da assistente social indica que os genitores evoluíram no diálogo e alteraram sensivelmente o comportamento: “Diante do relato tanto da requerente quanto do requerido o relacionamento e dialogo entre eles vem ocorrendo de forma positiva vindo a favorecer o bom andamento do cumprimento e continuidade dos vinculos afetivos dos filhos referente tanto ao genitor e tamb~em emrelação a genitora” (fl. 230).

Não me surpreende que o genitor possa ter alterado positivamente seu comportamento, inclusive em razão da intervenção realizada há mais de dois anos pela psicóloga do juízo.

De qualquer modo, mesmo que se tome por base a conduta pretérita do genitor, não se verificou a prática de alienação parental, na medida em que os filhos menores não apresentaram repulsa à figura materna.

O laudo psicológico (fls. 151/158) deixa claro que o conflito existe apenas entre os genitores, e que isso não interfere no modo como os filhos com eles se relacionam.

Evidente que os vínculos materno-filiais encontramse adequadamente preservados e que a conduta do genitor não interferiu na relação da autora com seus filhos.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

4. Não existe qualquer óbice à manutenção da guarda compartilhada.

A circunstância de inexistir convivência harmônica não impede a alteração para a guarda compartilhada.

O artigo 1.584 do novo Código Civil, em sua antiga redação, para efeito de guarda de filhos, determinava que tal mister incumbiria, unilateralmente, àquele que revelasse “melhores condições” de exercê-la.

Embora a guarda compartilhada encontrasse previsão legal e preferencial, em razão das alterações legislativas introduzidas pela L. 11.698/98, sua fixação pressupunha perfeita harmonia entre os genitores, em atenção ao melhor interesse da criança.

Esse entendimento, no entanto, foi superado pelo advento da Lei n. 13.058/14, que alterou a redação dos arts. 1.5831.5841.585 e 1.634 do Código Civil, introduzindo modificações substanciais no tocante à atribuição da guarda dos filhos menores aos genitores.

Os preceitos da Lei 13.058/14 são plenamente aplicáveis ao caso concreto.

A referida lei inovou ao estabelecer a guarda compartilhada como regra, mesmo e, sobretudo, se não houver acordo entre os genitores quanto à guarda do filho, desde que ambos estejam aptos a exercer o poder familiar, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor, ou houver fatos graves e impeditivos de tal situação (art. 1.584, § 2º).

Apelação Cível nº 1009047-23.2017.8.26.0248 -Voto nº 36.776 - IRB 7

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A guarda compartilhada define os dois genitores, do ponto de vista legal, como iguais detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos. Sua proposta é manter os laços de afetividade, buscando abrandar os efeitos que o fim da sociedade conjugal pode acarretar aos filhos, ao mesmo tempo em que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando o direito da criança e dos pais (Conrado Paulino da Rosa, Nova Lei da Guarda Compartilhada, 1ª ed., Saraiva, p. 63).

A preferência legal é pelo compartilhamento, pois este garante maior participação de ambos os pais no crescimento e desenvolvimento da prole, retirando da guarda a ideia de posse e propiciando a continuidade da relação dos filhos com ambos os pais, ainda que não exista acordo entre eles.

Nesse diapasão, somente quando ambos os pais se manifestarem expressamente pela guarda unilateral, ou houver grave fato impeditivo, é que o juiz não pode impor o compartilhamento.

Tem-se, portanto, que o significado mais saliente da mudança é que o compartilhamento da guarda deixa de depender da convivência harmônica dos pais. As situações de litigiosidade não mais servem de fundamento para impedir a divisão equilibrada da guarda (Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 10ª ed., RT).

Isso porque determinar a guarda unilateral como regra geral de conduta é diminuir os cuidados inerentes ao poder familiar daquele genitor a quem não foi outorgada a guarda e representa um prejuízo ao desenvolvimento da personalidade do filho que se vê afastado de um dos genitores.

Assim, nada impede que participe ativamente das decisões relativas à educação dos filhos menores, como sempre o fez, antes da separação do casal.

5. Tampouco obsta o compartilhamento da guarda a insatisfação da genitora com os cuidados prestados pelo genitor.

Nenhum dos fatos deduzidos pela apelante apresentam envergadura suficiente à modificação pretendida.

Isso porque a eventualidade de o genitor não demonstrar igual empenho para com as atividades escolares dos menores não resulta em incapacidade para cuidar dos filhos.

A guarda compartilhada se presta a garantir maior possibilidade do genitor que não reside com os filhos na criação e formação dos menores.

Ainda que o genitor não venha exercendo com afinco o papel que lhe cabe de guardião, não se vislumbra fato grave o suficiente a alijá-lo da função.

Como dito, o principal requisito para que se fixe a guarda compartilhada é a vocação de ambos os genitores de cuidar dos filhos.

Em nenhum momento se cogita da incapacidade do réu, limitando-se a autora a expressar seu descontentamento com a forma como o genitor conduz a paternidade.

Destaco que os fatos invocados pela genitora datam de mais de três anos, e que houve significativo progresso na postura do genitor, conforme conclusão do estudo social.

Apelação Cível nº 1009047-23.2017.8.26.0248 -Voto nº 36.776 - IRB 9

Torno a dizer que as situações de litigiosidade não mais servem de fundamento para impedir a divisão equilibrada da guarda.

Em suma, nenhum dos fatos narrados pela autora permitem modificar o regime de guarda dos filhos menores.

É verdade que a relação dos pais se apresenta deteriorada, e que a autora ainda se frustra com condutas do réu que já se manifestavam durante a união estável. Entretanto, essa circunstância não impede o compartilhamento, que tem como premissa o interesse da criança, não dos pais.

Preserva o superior interesse dos filhos menores que o genitor possa participar ativamente das decisões relevantes.

6. Como se vê, por qualquer ângulo que se analise o recurso, inviável seu acolhimento.

Apenas em observância ao disposto no art. 85, §§ 2º e 11 do CPC, majoro os honorários devidos pela autora para R$1.2000,00, observada a gratuidade processual de que desfruta a apelante.

Nego provimento ao recurso.

FRANCISCO LOUREIRO

Relator

 


topo