Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Alienação parental e a capacidade de odiar

quarta-feira, 24 de julho de 2019, 08h05

O fim da conjugal idade enseja o fim da parentalidade. A separação dos pais não pode levar à separação dos filhos com qualquer deles.

 

 

Certamente o propósito da Lei da Alienação Parental foi escancarar uma triste realidade: como é desmedida a capacidade de odiar. A que ponto as pessoas chegam para se vingar de alguém.
 

Claro que esta faceta do ser humano sempre existiu.
 

Os chamados crimes passionais – que de paixão nada tem – lotam presídios.
 

Não foi outra motivação que levou à edição da Lei Maria da Penha e à qualificação do crime de morte como feminicídio.
 

Estes são os mecanismos legais que tentam refrear os crimes de ódio contra as mulheres. 
 

A incidência assustadora destes delitos mostra o verso e reverso de uma mesma moeda.
 

A facilidade com que o amor se transforma em ódio.
 

A motivação desta verdadeira carnificina é uma só: punir o responsável pelo fim do sonho do amor eterno. A frustração da promessa de uma felicidade a qualquer preço. Mesmo na doença, na pobreza e na tristeza.
 

A insuportabilidade da dor leva ao desejo de provocar dor no outro. E o desejo de vingança não tem limite.
 

Este sentimento alcança não só o parceiro. Vai além.
 

Os próprios filhos são utilizados como armas. Servem de munição na guerra deflagrada por quem se sentiu traído, abandonado.
 

O desalento do desamor supera todas as fronteiras.
 

Inclusive o chamado amor incondicional dos pais pelos filhos. Não importam as sequelas que estas manobras podem provocar. Quais os prejuízos que causam a eles.
 

O importante é convencê-los de que precisam nutrir o mesmo ódio com relação a quem não mais os ama.
 

Mentiras, falsas acusações, manipulações transbordam a ponto de gerar nos filhos profunda crise de lealdade. Não sabem quem odiar, quem amar. Nem o que é verdade ou pura imaginação. O que é certo e o que é errado. Bom ou ruim.
 

Na tentativa de refrear tais atos é que foi editada a lei 12.318/10.
 

Até o seu nome foi alvo de enormes críticas. Tentando desqualificá-la, foram atrás da biografia de quem deu o nome a este fenômeno.
 

Mas, independente de tudo, a Lei da Alienação Parental vingou.
 

De forma didática elenca algumas posturas que evidenciam o uso dos filhos como ponta de lança.  Impinge sanções aos autores de tais práticas, além de trazer ferramentas processuais mais ágeis para flagrar sua ocorrência e tentar reduzir danos às vítimas.
 

Quanto mais sofisticadas as formas de usar os filhos como bucha de canhão, mais difícil é para a Justiça conseguir identificar tais ações. Por isso se tornou indispensável a atuação de profissionais da área psicossocial, que precisam intervir precocemente para estancar a sangria que leva à morte de vínculos parentais.
 

Claro que mecanismos de contenção tão eficientes e cada vez mais sofisticados, só podem ser rejeitados por quem está sendo inibido de transformar filhos em ferramentas para provocar dor.
 

Daí os recentes movimentos que querem a revogação da Lei ou sua mutilação. Nada mais do que estratégias para invisibilizar uma realidade que ninguém duvida que existe. E é cada vez mais assustadoras.
 

É a eficácia da Lei que passou a assustar.
 

É o limite imposto ao desejo de vingança que vem sendo refreado pela Justiça.
 

No entanto, sua manutenção é fundamental.
 

Não há outra forma de garantir o cuidado especial que a Constituição da Republica confere a crianças e adolescentes, com prioridade absoluta.
 

Entre eles, o direito à convivência familiar.
 

O fim da conjugal idade enseja o fim da parentalidade. A separação dos pais não pode levar à separação dos filhos com qualquer deles.
 

E ter dois lares, muitas vezes, é melhor do que ter um só.
 

Afinal, é só isso que filhos querem.  A certeza de que são amados.
 

E quando este direito não é garantido pelos pais, cabe ao Estado o dever de intervir.
 

 

FONTE: Alienação parental e a capacidade de odiar, escrito por MARIA BERENICE DIAS, advogada e vice-presidente Nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.


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