10 RAZÕES PARA A SUPRESSÃO DE CENSURA LEGISLATIVA NO JÚRI*
terça-feira, 12 de novembro de 2019, 11h11
(APONTAMENTO SOBRE A 5ª RELATORIA-PARCIAL DO PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI - ART. 321 do PL 8045/2010 – NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - RELATOR-PARCIAL: DEPUTADO POMPEO DE MATTOS, CUJO RELATÓRIO PARCIAL FOI APRESENTADO EM 30 DE OUTUBRO DE 2019)
Art. 321 – Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – Aos fundamentos da decisão de pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e aos motivos determinantes do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo; III - a registros criminais, inquéritos policiais, ações penais em curso e condenações ainda não transitadas em julgado, bem como aos depoimentos prestados na fase de investigação criminal, ressalvada a prova antecipada.
O DISPOSITIVO DEVE SER SUPRIMIDO do texto legiferante por 10 (DEZ) RAZÕES BÁSICAS:
1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. A Constituição Federal protege enfaticamente o direito à liberdade de expressão. A imprensa é livre. O artista produz sua obra livremente. O escritor escreve o que quiser. O professor é detentor da liberdade de cátedra. Há liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. A manifestação do pensamento não tem amarras. A crença e o culto andam soltos. Não há censura;
2. CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA. Ao lado de outros direitos, a liberdade de expressão é fundamental para o cumprimento de várias finalidades, inclusive para a concretização da justiça;
3. JUSTIÇA DEMOCRÁTICA. Nos ares da República brasileira, desponta o Tribunal do Júri como importante ponto de protagonismo da democracia e da liberdade de expressão na distribuição da justiça;
4. DEBATE LIVRE. O embate dialético entre Ministério Público e defesa é a espoleta do veredicto popular. É diante do debate livre entre pontos de vista distintos em torno dos dados do processo, da legislação, da literatura e da jurisprudência que os jurados darão a resposta que lhes pareça mais adequada ao caso em julgamento;
5. INFORMAÇÃO. Nada mais natural e justo que a vontade dos jurados seja formada através do confronto livre de ideias entre Ministério Público e defesa. É imprescindível que haja debate com franqueza e liberdade entre as partes. Apenas dessa forma os jurados podem ter acesso aos dados processuais, teses e ideias existentes sobre questões variadas que gravitam ao redor do caso em julgamento, segundo a ótica do promotor de Justiça e do defensor;
6. PARIDADE DE ARMAS. Nunca é demais lembrar que o debate no Júri é firmado entre profissionais maiores, capazes e com formação jurídica, que atuam em pé de igualdade. Nada justifica o controle prévio do que pode ou não ser dito, já que todo pensamento externado por uma parte pode ser combatido e infirmado pela outra parte. Não é preciso qualquer esforço intelectual para notar que a censura legislativa em questão é endereçada claramente ao Ministério Público, gerando o desequilíbrio entre os pratos da balança da justiça na discussão da causa;
7. TRANSPARÊNCIA. Os atos e comportamentos assumidos pelo acusado durante a persecução penal do Estado, a exemplo do silêncio, são de suma importância no contexto da apuração e julgamento da causa. O porquê de o acusado estar preso e algemado da mesma forma. Igualmente, é fundamental que o jurado conheça a biografia do acusado através de sua vida pregressa e de seu comportamento social. A exploração de todos elementos probatórios colhidos tanto na fase investigatória como judicial também é de extrema valia para subsidiar a escolha dos veredictos pelos jurados;
8. INCREMENTO DA IMPUNIDADE. O dispositivo em questão, se mantido e aprovado, será mais uma porta larga para impunidade. Há menoscabo ao trabalho dos órgãos investigatórios, sobretudo da Polícia Judiciária Civil, pois despreza a importância de seu ofício no sistema de justiça criminal. Há menosprezo ao princípio da verdade real, pois desconsidera o depoimento em bruto que, segundo Edmond Locard, é prestado logo após o crime, que guarda máxima conformidade com o fato ocorrido. A experiência demonstra que, no calor dos fatos, as testemunhas tendem a declarar o que realmente ocorreu. Com o passar do tempo, vêm o esquecimento, a mudança de endereço para local incerto, a (auto)sugestão e a influência dos envolvidos (acusado, vítima, familiares etc.). Em outras palavras, diante de uma prova coesa, verossímil e bem colhida na fase de investigação, basta que as testemunhas se retratem em juízo, mudem de endereço para local incerto ou - numa visão pessimista, mas possível, mormente no que diz respeito às organizações criminosas - que sejam assassinadas antes do depoimento judicial para que o acusado alcance a impunidade;
9. VERDADE. Para que o jurado possa formar sua opinião e eleger seus veredictos, é importante que lhe seja garantido o acesso às mais variadas informações e argumentos das partes. O Legislativo não pode proibir a utilização de argumentos pelas partes em plenário do Júri por entender inadequado aos interesses de quem quer que seja. Não é legítimo que o Legislativo regule o que os jurados podem e o que não podem ouvir. Há claro atentado contra autonomia tanto da parte que tem a ideia e não pode expressá-la como dos jurados que ficam privados de acessá-la; e
10. SOBERANIA POPULAR. Num palco democrático como é o Tribunal do Júri, não há espaço para proscrições legislativas ao direito de argumentar, desde que observadas a lealdade processual e a urbanidade. Os cidadãos-jurados, ungidos pela soberania dos veredictos, têm o direito a amplo e irrestrito acesso a todos os atos e fatos processuais, por meio do contato direto com os autos e através das argumentações das partes, para que, assim, decidam a causa penal com justiça. Vale dizer, o exercício de debate livre e aberto aos argumentos das partes no plenário do Júri é a mais pura representação da liberdade de expressão numa sociedade democrática. O melhor recurso para combater um mau argumento é o debate com a parte adversa, a qual incumbe revelar seu desacerto, e jamais a censura legislativa, como faz o artigo em destaque.
Por tudo isso, e muito mais, não há princípio da proporcionalidade que socorra essa mordaça legislativa à Justiça Popular, pois o artigo em destaque, além de vilipendiar os valores mais básicos de uma sociedade plural, aberta e democrática, consiste em verdadeira - e por óbvio, inconstitucional – amputação da liberdade de expressão e lutuoso atentado à democrática Instituição do Tribunal do Júri.
* Pensamentos extraídos do livro: NOVAIS, César Danilo Ribeiro de. A defesa da vida no tribunal do júri. 2ª ed. Cuiabá: 2018.
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.