Cães e gatos não podem processar seus donos por maus-tratos, diz juíza do RS
sexta-feira, 28 de agosto de 2020, 08h24
O artigo 216 do Código do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul (Lei 15.434/20) considera os animais domésticos e de estimação como sujeitos de direitos despersonificados, que devem gozar e obter tutela jurisdicional se forem alvo de violações ou maus-tratos. Apesar do regime jurídico especial, os animais, em grupo ou individualmente, não podem figurar como autores numa ação judicial contra seus tutores. Assim, a 3ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre decidiu que oito gatos e dois cachorros — devidamente identificados com nome e sobrenome — não podem permanecer no polo ativo da ação movida contra uma mulher denunciada por maltratá-los enquanto manteve a guarda deles. A juíza Jane Maria Köhler Vidal, simplesmente, extinguiu a ação em relação aos bichanos que figuram no polo ativo da ação como coautores. É que, segundo o artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), o juiz não resolverá o mérito quando "verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo". Ao fim e ao cabo, a julgadora manteve a entidade protetora dos animais, coautora, no polo ativo da ação, e deferiu em parte o pedido de antecipação de tutela. Como consequência da decisão, a atual tutora, que mora no Bairro Bom Jesus, perdeu provisoriamente a guarda dos oito animais para a fiel depositária. O despacho liminar foi proferido em 24 de agosto. Da decisão, cabe recurso de agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça gaúcho. Ação indenizatória Em sede de tutela provisória, os autores pediram que a demandada fosse compelida a desembolsar, mensalmente, R$ 800 por três meses, no mínimo, caso perca imediatamente a tutela sobre os animais, para tratamento veterinário. No mérito, pediram que a tutela dos animais fosse definitivamente transferida à Associação, que promoverá ações de adoção permanente em novas famílias. Incapacidade processual Embora o caput do artigo 216 da legislação gaúcha reconheça que os seres sencientes são capazes de sentir sensações e experimentar sentimentos de forma conscientes, advertiu a juíza, eles são sujeitos apenas de direitos despersonificados. Em outras palavras: devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, já que vedado o seu tratamento como mera coisa. "Referido dispositivo legal, apesar de estabelecer a natureza sui generis dos animais domésticos, não prevê a capacidade processual dessa categoria, o que nem poderia, sob pena de inconstitucionalidade formal e material, uma vez que compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual, assim como sobre Direito Civil, conforme disposto no art. 22, I, da Constituição da República", explicou no despacho liminar. Em arremate, no aspecto, destacou que a negativa de aceitar animais domésticos como sujeitos do processo não significa um retrocesso em matéria ambiental. "Uma vez que não se está retirando dos animais domésticos o seu direito à efetiva proteção, a qual continua assegurada não só pelo art. 225, § 1º, VII, da Constituição da República, mas agora também, em âmbito estadual, pelos arts. 216 e 217 da Lei Estadual nº 15.434/2020." Tutela parcialmente concedida O aspecto dos animais era crítico: magros, lesionados na pele e com sinais de desidratação. Alguns ficavam expostos diretamente no piso bruto, sem nenhuma proteção contra a umidade ou calor excessivo. A dona do local admitiu que não vacinava os animais, pois não tinha dinheiro para bancar estes custos. Frente aos indícios de maus-tratos, Jane deferiu em parte a tutela, tão somente para destituir provisoriamente a demandada da posse dos oito animais apreendido pela Brigada Militar. Ela negou, entretanto, o pedido para compelir a ex-tutora a custear os tratamentos veterinários. "Esse pleito parece estar fora da realidade, pois busca impor a requerida uma obrigação de expressivo valor econômico quando ela não dispõe de condições de custear a vacinação dos animais, como apontou a autoridade policial." Clique aqui para ler o despacho liminar
Fonte: ConJur |