Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJMT - Curatela deferida em favor de um dos filhos. Possibilidade. União estável não comprovada. Inviabilidade da substituição da curadoria

quarta-feira, 23 de junho de 2021, 15h36

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INTERDIÇÃO – TUTELA DE URGÊNCIA – CURATELA DEFERIDA EM FAVOR DE UM DOS FILHOS – POSSIBILIDADE – UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA – INVIABILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DA CURADORIA - RISCO DE DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO – NÃO COMPROVAÇÃO - DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO I - Não obstante a ordem estabelecida pelo art. 1.775 do Código Civil, bem como as disposições contidas no art. 1.723 do mesmo código e no art. 226, § 3º da Constituição Federal, a legitimidade da requerente para figurar como curadora do interditado ainda depende de prova da própria união estável o que, por ora, não restou comprovado nos autos. II - Não há razões para recear a suposta dilapidação dos bens do curatelado, tendo em conta que, se comprovada a união estável alegada, a agravante poderá requerer prestação de contas para averiguar quais destinos receberam eventuais saques na conta bancária do interditado.(TJMT 10016037920218110000 MT, Relator: Serly Marcondes Alves, Data de Julgamento: 12/05/2021, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/05/2021).

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

 

QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

 

Número Único: 1001603-79.2021.8.11.0000
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
Assunto: [Liminar, Interdição]
Relator: Des (a). SERLY MARCONDES ALVES

 

Turma Julgadora: [DES (A). SERLY MARCONDES ALVES, DES (A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES (A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO]

Parte (s):
 

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des (a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: NÃO PROVIDO. UNÂNIME.

E M E N T A

 

 

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INTERDIÇÃO – TUTELA DE URGÊNCIA – CURATELA DEFERIDA EM FAVOR DE UM DOS FILHOS – POSSIBILIDADE – UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA – INVIABILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DA CURADORIA - RISCO DE DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO – NÃO COMPROVAÇÃO - DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO

I - Não obstante a ordem estabelecida pelo art. 1.775 do Código Civil, bem como as disposições contidas no art. 1.723 do mesmo código e no art. 226, § 3º da Constituição Federal, a legitimidade da requerente para figurar como curadora do interditado ainda depende de prova da própria união estável o que, por ora, não restou comprovado nos autos.

II - Não há razões para recear a suposta dilapidação dos bens do curatelado, tendo em conta que, se comprovada a união estável alegada, a agravante poderá requerer prestação de contas para averiguar quais destinos receberam eventuais saques na conta bancária do interditado.

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Eminentes pares:

Trata-se de Recurso de Agravo de Instrumento interposto por (...) com o fito de reformar a decisão que, nos autos da Ação de Interdição com Pedido de Curatela Provisória em Tutela de Urgência de n. 1003817-65.2020.8.11.0004, manejada por (...), deferiu o pedido de tutela de urgência e decretou a interdição de Levende José Ribeiro, seu convivente, nomeando como curador provisório do incapaz o primeiro agravado.

Para tanto, a agravante alega que manter o primeiro agravado como curador do interditado, com quem convive em união estável desde o dia 26/06/2020, implicará em grave risco à saúde física, psíquica e financeira do curatelado.

Pondera que desde a data do acidente automobilístico que incapacitou o seu companheiro para os atos da vida civil, os agravados vêm dilapidando os bens dele e já retiraram a expressiva quantia de R$ 19.964,35 (dezenove mil novecentos e sessenta e quatro reais e trinta e cinco centavos) de suas contas bancárias.

Afirma que, além de atender a ordem de preferência disposta no art. 1.775 do Código Civil, também é quem tem melhor aptidão para os cuidados com o interditado, devendo ser nomeada para a curadoria do seu companheiro.

O pedido liminar de efeito ativo foi indeferido (id. 75333990).

Apesar de intimados, os agravados não apresentaram contrarrazões (id. 80113474).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (id. 84040983).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

V O T O R E L A T O R

 

 

Eminentes pares:

O propósito recursal é analisar o acerto ou não da decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência e nomeou o primeiro agravado como curador provisório de (...), declarado liminarmente incapaz para gerir os atos da vida civil.

A agravante alega que convive em união estável com o interditado desde o dia 26/06/2020 e que, portanto, ela é quem deve ser nomeada como curadora do seu companheiro, em obediência à ordem de preferência disposta no art. 1.775 do Código Civil.

Sem razão a agravante, adianta-se.

A rigor do que dispõe o art. 1.775 do Código Civil, o cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.

“Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.

§ 1 o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.

§ 2 o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.

§ 3 o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador”.

Todavia, não obstante a ordem estabelecida pelo art. 1.775 do Código Civil, bem como as disposições contidas no art. 1.723 do mesmo código e no art. 226, § 3º da Constituição Federal, a legitimidade da requerente para figurar como curadora do interditado ainda depende de prova da própria união estável o que, por ora, não restou comprovado nos autos.

Acerca do assunto, assim esclarece a doutrina de Arnaldo Rizzardo:

“Inclusive à companheira ou ao companheiro admite-se a legitimidade, desde que provada a união estável, o que vem reconhecendo a jurisprudência […]. ‘Todavia, mesmo que se admita tal legitimidade à companheira, impõe-se, rudimentarmente que, nos autos, fique demonstrada, de forma razoável, a efetividade da convivência do casal sob o mesmo teto, demonstradora da realidade de tal convivência, alardeando os laços da efetiva e estável união dos parceiros’” (Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 909).

No mesmo sentido, a jurisprudência dos tribunais pátrios:

“Agravo de instrumento. Ação de interdição. Decisão que nomeou a irmã da interditanda como sua curadora provisório. Recurso de terceiro interessado. Alegação de ser companheiro da interditanda por ter convivido com esta por 8 anos e assim possuir melhores condições para exercer a curatela. Impossibilidade. Ausência de comprovação acerca da união estável. Ausência de indícios de condutas desabonadoras por parte curadora provisória. Existência de relação de parentesco entre a interditanda e a curadora. Cognição sumária. Necessidade de prova robusta Prudência em manutenção da decisão. Recurso conhecido e não provido. (...) 1. Em respeito aos interesses da interditanda, uma senhora de 81 anos, e em face de alguns fatos noticiados no processo, deve ser mantido o autor da ação como o seu curador provisório. (...)”. (TJPR - 11ª C.Cível - 0004765-66.2018.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Fábio Haick Dalla Vecchia - J. 22.06.2018) 3. Recurso conhecido e não provido”. (TJ-PR - AI: 00334386920188160000 PR 0033438-69.2018.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Juiz Luciano Carrasco Falavinha Souza, Data de Julgamento: 15/05/2019, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/05/2019) (g.n.)

No caso dos autos, além da alegada convivência supostamente ter se iniciado em 21/06/2020, ou seja, pouco mais de 03 (três) meses antes do acidente automobilístico que incapacitou o interditado para os atos da vida civil, ocorrido em 26/09/2020, há dissenso entre as partes a respeito da questão, o que impossibilita o reconhecimento da união, de plano, como requer a agravante.

Desse modo, inexistindo prova contundente acerca da alegada união estável entre a requerente e o interditando e havendo dissenso entre as partes a respeito da questão, inviável o reconhecimento liminar da união estável e, consequentemente, incabível a sua nomeação como curadora do incapaz, notadamente quando não comprovada nenhuma conduta desabonadora do curador provisório nomeado apto a exonerá-lo do encargo que lhe foi conferido.

Ademais, não há razões para recear a suposta dilapidação dos bens do curatelado, tendo em conta que, se comprovada a união estável alegada, a agravante poderá requerer prestação de contas para averiguar quais destinos receberam eventuais saques na conta bancária do interditado.

Destarte, por se tratar de questão de alta indagação, o reconhecimento da união estável deve se dar através das vias ordinárias, dados os limites estreitos da ação de interdição originária.

Sendo assim, inexistindo prova robusta acerca da alegada união estável e da incapacidade do primeiro agravado em ser mantido no encargo que lhe foi confiado, prudente manter a decisão agravada, até a produção de maiores provas.

Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.

 

 

 

 

 

Data da sessão: Cuiabá-MT, 12/05/2021

 

Detalhes da Jurisprudência

Processo

1001603-79.2021.8.11.0000 MT

Órgão Julgador

Quarta Câmara de Direito Privado

Publicação

12/05/2021

Julgamento

12 de Maio de 2021

Relator

SERLY MARCONDES ALVES

 

 


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