Jurisprudência TJMG - Alegação de inaptidão da curadora nomeada para o exercício do múnus. Ausência de provas. Pessoa com razoável lucidez
segunda-feira, 07 de fevereiro de 2022, 10h49
EMENTA: DIREITO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O EXERCÍCIO DOS ATOS DA VIDA CIVIL - NOMEAÇÃO DA ESPOSA COMO CURADORA - ARTIGO 1.775 DO CÓDIGO CIVIL - INTERESSES DO INTERDITANDO - OBSERVÂNCIA - ALEGAÇÃO DE INAPTIDÃO DA CURADORA NOMEADA PARA O EXERCÍCIO DO MÚNUS - AUSÊNCIA DE PROVAS - PESSOA COM RAZOÁVEL LUCIDEZ - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A curatela tem cunho eminentemente protetivo da pessoa do incapaz e deve prevalecer no interesse desta. 2. Se a nomeação da esposa do interditando como sua curadora atende aos seus interesses patrimoniais, preservando, ainda, o seu bem-estar físico e mental - tarefa que se revela, lamentavelmente, bastante árdua, ante a exacerbada litigiosidade dos filhos -, não há razões para se acolher a pretensão dos apelantes de nomear outro curador (um dos filhos) ao interditado, em detrimento da ordem legal estabelecida no artigo 1.775 do Código Civil, mormente se não há nos autos quaisquer provas da alegada incapacidade civil da nomeada.(TJMG - AC: 10000191730936002 MG, Relator: Armando Freire, Data de Julgamento: 01/02/2022, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/02/2022).
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.19.173093-6/002 - COMARCA DE POÇOS DE CALDAS - APELANTE (S): A.A.P. E OUTRO (A)(S), M.J.A.P., C.D.A.P., M.L.A.P. - APELADO (A)(S): M.B.P. REPDO (A) P/CURADOR (A) ESPECIAL D.P.E.M.G., M.L.A.P., P.E.A.P.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em .
DES. ARMANDO FREIRE
RELATOR
DES. ARMANDO FREIRE (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto por A.A.P. e OUTROS em face da r. sentença de f. 1.395/1.416, complementada pela decisão dos embargos declaratórios de f. 1.442/1.444 (documento único gerado), que julgou procedente o pedido para decretar a interdição de M.B.P., nomeando como sua curadora seu cônjuge, M.L.A.P., para representação de seus atos civis, consoante os artigos 1.767, inciso I e 1.768, inciso II, ambos do Código Civil, nomeando também como auxiliar administrativa, para gestão dos bens e demais encargos, a curadora N.J., que perceberá uma remuneração mensal no importe de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Nas razões recursais de f. 1.483/1.506 (doc. único gerado), os apelantes sustentam a nulidade da sentença, tendo em vista que a terceira interessada M.L.A.P., em momento inoportuno, pugnou pela intervenção e alterou o pedido e a causa de pedir, requerendo a sua própria nomeação como curadora, o que não é, nem pode ser, o objeto da lide. Além do mais, afirmam que não foi requerida pelas partes a nomeação de uma "auxiliar de administração", sendo o ato sentencial, portanto, extra petita. No mérito, pontuam que a curadora nomeada, M.L.A.P., mãe dos apelantes, não tem condições de exercer a curatela, havendo dúvidas quanto à própria capacidade civil da mesma. Destacam que o apelado P.E.A.P. vem manipulando a sua mãe, aproveitando-se de sua vulnerabilidade. Asseguram que a situação tem gerado ainda mais conflitos no âmbito familiar, comprometendo a saúde e a segurança dos pais. Salientam que a curatela deve ser concedida àquele que melhor atenda aos interesses do curatelado. Com tais argumentos, pugnam pelo provimento do apelo, sendo nomeado o filho A.A.P. para o múnus de curador do interditado em questão. Ao final, alegam ser necessária a redistribuição dos ônus de sucumbência, porquanto o autor sucumbiu parcialmente de seus pedidos.
O preparo foi devidamente recolhido (f. 1.507/1.508 - doc. único gerado).
O pedido de efeito suspensivo ao apelo foi, justificadamente, indeferido, no bojo dos autos de nº. 1.0000.19.173093-6/001.
As contrarrazões foram apresentadas pelo interditado M.B.P. (f. 1.552/1.555), pelo autor P.E.A.P. (f. 1.722/1.731) e pela esposa do interditado M.L.A.P. (f. 1.745/1.751 - doc. único gerado).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de f. 2.155/2.162 (doc. único gerado), opina pelo desprovimento do recurso.
Nova manifestação dos apelantes às f. 2.171/2.175 (doc. único gerado).
Despachei à f. 2.184 (doc. único gerado), oportunizando aos apelados que tomassem ciência do peticionado pela parte ex adversa. Manifestaram-se a recorrida M.L.A.P. (f. 2.188/2.198) e o recorrido M.B.P. (f. 2.208/2.209).
Em nova vista dos autos, a d. Procuradoria-Geral de Justiça reitera sua manifestação anterior (f. 2.221/2.223 - doc. único gerado).
Este, contendo o essencial, é o relatório.
Recebo e conheço do recurso interposto, eis que atendidos os pressupostos de admissibilidade.
Passo, pois, a expor meu voto.
PRELIMINAR - Sentença Extra Petita
Aduzem os apelantes que o ato decisório seria extra petita, por ter julgado um pedido inoportuno da terceira interessada M.L.A.P., que integrou a lide somente ao final e requereu indevidamente a sua nomeação como curadora do interditando, além do que, sequer houve requerimento das partes sobre a nomeação de qualquer "auxiliar de administração" para atuar em conjunto com o curador a ser nomeado, tendo o autor, em sua exordial, se limitado a solicitar a sua própria nomeação como curador do seu pai.
Entrementes, ao contrário do que asseveram os recorrentes, nota-se que a sentença foi proferida dentro do pedido exposto na inicial, que, em verdade, se trata da pretensão de declarar a incapacidade de M.B.P. para administrar os seus bens, bem como para praticar os demais atos da vida civil.
Ora, o procedimento para intervenção, sabe-se, é de natureza de jurisdição voluntária, devendo o julgador considerar as características pessoais do interdito (art. 755, II, CPC/15) para nomear o curador que melhor possa atender aos seus interesses (art. 755, I e § 1º, CPC/15), sendo legitimados para promovê-la as pessoas descritas no artigo 747 do CPC/15. Aliás, imperioso relembrar que, de acordo com o artigo 1.775-A, do Código Civil, "na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa". Nesse cenário, o magistrado não está, pois, adstrito ao critério da legalidade estrita, "podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna" (art. 723, parágrafo único, CPC/15), observando a realidade apresentada e decidindo com base na equidade e na máxima da experiência comum (cf. art. 375 do CPC/15).
No mesmo sentido, muito bem manifestou o ilustre Procurador de Justiça, vê-se:
[...] O instituto da interdição deve ser analisado sob a ótica civil-constitucional, de forma a se atentar às próprias necessidades do interditando. Hoje não mais se admite uma visão simplista do incapaz, permitindo a retirada da sua capacidade meramente por ter conformação mental diferente da maioria das pessoas. Exige-se, ao reverso, uma análise tendo como base o direito constitucional à igualdade, a qual remete ao direito à singularidade ou direito de ser diferente. O instituto só se justifica e é legítimo se estiver fundado na proteção da dignidade do próprio interditado.
Não se pode perder de vista que a interdição atinge diretamente a liberdade e a intimidade. Por isso não se pode admitir a interdição pela pura e simples constatação de patologia mental.
Deve-se atentar para que a interdição não se torne um óbice ao exercício de certos direitos pelo próprio interditado, quando este demonstra capacidade para tanto. [...]
Ademais não se pode olvidar que a capacidade jurídica é a regra. Somente, em casos excepcionais e devidamente comprovados a incapacidade poderá ser declarada.
Nesse sentido, a Lei n. 13.146/15 adequou-se à necessidade da mais ampla proteção ao direito fundamental à capacidade civil. Impôs intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda submeter uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente. Sendo o caso de curatela, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapacidade absoluta fere a regra da proporcionalidade. E, consequentemente, a curatela, em regra, será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais, preservando-se, na medida do possível a autodeterminação para a condução das situações existenciais.
Assim, deve o magistrado determinar um plano individualizado adequado ao discernimento do curatelado.
Portanto, o que não se pode admitir são fórmulas genéricas e estereotipadas. Por isso, a sentença que institui a curatela deve ter forte carga argumentativa para justificar o projeto terapêutico individualizado.
Com base nesses fundamentos, as preliminares arguidas devem ser afastadas. Se o processo para a declaração de incapacidade tem como principal objetivo a proteção do incapaz, não há como se falar em limites objetivos e subjetivos do processo. Em outras palavras, o magistrado não deve ser ater ao pedido inicial, devendo adequar a decisão aos interesses do incapaz e não ao pedido apresentado pelo autor da ação.
Dessa forma, pouco importa se o autor, ora apelado, pretendeu a nomeação de A ou B, se pretendeu a nomeação de curador para exercer sozinho o múnus. O magistrado está atrelado aos interesses do incapaz, devendo, como ressaltando acima, estabelecer plano individualizado para atender as peculiaridades do caso. [...] (f. 2.158/2.160 - doc. único gerado)
Por tais fundamentos, REJEITO a preliminar arguida e, em seguida, analiso o mérito recursal.
MÉRITO
A princípio, cumpre registrar que a interdição de M.B.P. era medida que realmente se impunha. Extrai-se dos documentos carreados aos autos, de forma inequívoca, que o mesmo não dispõe de condições de gerir a própria vida e seus bens.
A insurgência recursal diz respeito à nomeação da esposa de M.B.P. como sua curadora. Os apelantes, filhos do interditado, questionam a aptidão de M.L.A.P. para assumir o encargo de curadora, argumentando que a mesma não é capacitada civilmente para tanto. Requerem, assim, seja nomeado A.A.P. para o múnus de curador do pai.
Data venia, não constato a existência de qualquer prova apta a demonstrar a veracidade das alegações deduzidas pelos apelantes com vistas a referendar a pretensão recursal, em detrimento da ordem legal estabelecida no artigo 1.775 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
§ 1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§ 3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.
Não desconheço que a ordem preferencial mencionada no artigo supracitado pode ser ignorada pelo julgador em função do interesse do interditando, devendo ser nomeada como curadora a pessoa que se mostrar mais apta a reger a vida civil do incapaz. Nesse sentido a doutrina de Caio Mário Pereira da Silva:
O juiz não é obrigado a seguir a ordem de procedência aqui mencionada. Tem a faculdade de invertê-la se assim entender mais conveniente ao interdito, ou mesmo de dispensá-la, se se convencer de que as funções de curador serão melhor desempenhadas por pessoa de sua escolha. (SILVA, Caio Mário Pereira da. Instituições de Direito Civil. v. V. 14. ed. rev. e atual. por Tânia da Silva Pereira. São Paulo: Editora Forense. p. 486)
No caso dos autos, entretanto, a observância da preferência legal atende ao objetivo precípuo de proteger os interesses do interditando. Com efeito, a análise dos elementos de informação presentes no caderno processual, mormente os relatórios sociais produzidos nos autos, autoriza a conclusão de que a esposa de M.B.P. é pessoa idônea e responsável, possuindo apenas uma limitação motora (é cadeirante, devido à sequela de AVC), sendo apta a administrar a renda e os direitos do marido, com a ajuda de um auxiliar administrativo, como prudente e sensivelmente percebido pela digna Sentenciante, além de estar lhe oferecendo todos os cuidados necessários à preservação do seu bem-estar físico e mental. Na realidade, os argumentos acerca da incapacidade civil da curadora, e por consequência, de ausência do discernimento para exercer adequadamente o múnus a ela atribuído, não passam de meras alegações soltas, não amparadas por quaisquer provas.
Registro, aqui, a notável contribuição doutrinária a respeito do tema:
Efetivamente, ninguém melhor que o cônjuge para receber a incumbência. Em princípio, é ele a pessoa mais estreitamente unida ao doente mental ou pródigo, com maiores condições ou qualidades, já que há o elo da afetividade, do companheirismo, da paciência e do entendimento, que entrelaça os dois. (RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. vol. 3. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1994. p. 973-974)
Ressalta-se que, em casos como o dos autos, estando em discussão a proteção, a representação, o zelo e a segurança de uma pessoa incapaz, o que deve prevalecer sobre todas as demais circunstâncias é sempre o melhor interesse e cuidados com o interditando. E, ao que tudo indica, não existem motivos relevantes a desaconselhar o exercício da curatela pela apelada, sendo esta a que melhor vem resguardando o bem-estar físico e psíquico, tanto do curatelado, quanto o próprio, ante a animosidade presente entre os filhos, que não conseguem afastar os seus genitores do cenário de suas desavenças e acusações mútuas, muito mais em razão do interesse no patrimônio do casal do que em relação ao bem-estar dos mesmos, permissa venia, quando, na verdade, deveriam dispensar o carinho, o respeito e a atenção que seus pais merecem na atual fase de suas vidas.
Não se pode perder de vista que a curatela tem cunho eminentemente protetivo da pessoa do incapaz e deve prevalecer no interesse desta, devendo o magistrado, assim, no momento da nomeação do seu curador, impedir que eventuais questões econômicas, ou, ainda, interesses particulares, se sobreponham ao seu bem-estar e às suas necessidades.
Coaduno, atento às nuances da situação do interditado e de sua esposa, com a visão externada no parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça:
[...] É lamentável a situação em que os dois idosos estão inseridos. Em um momento em que precisam ser acolhidos, a solidariedade familiar é esvaziada por interesses meramente financeiros. Os interesses dos idosos restam em segundo ou terceiro plano na vida dos filhos que, aparentemente, enxergam na curatela dos pais o meio necessário para acessarem a fortuna amealhada pelo casal ao longo da vida.
Tamanha a litigiosidade dos filhos em relação aos pais e, pelo que tudo indica, pressão emocional a que a curadora vem sofrendo que esta preferiu deixar o próprio lar para se abrigar em um lar para idosos. Ressalto que na petição de ordem 664 a curadora afirma que tal situação somente foi possível pelo fato de ela exercer a curatela.
Portanto, é claro que a manutenção da curadoria pela M.L.A.P. é imprescindível para que os interesses do curatelado e dela própria sejam assegurados. Veja-se que a curatela se tornou uma medida que acaba por proteger aos dois idosos.
Por essas razões, todos os fatos e documentos trazidos aos autos após minha manifestação anterior, apenas reforçam meu posicionamento para que a sentença de primeiro grau seja integralmente mantida. [...] (f. 2.222/2.223)
Por último, incabível que se considere qualquer omissão no ato sentencial acerca da fixação da verba de sucumbência, sendo certo que o procedimento em apreço é de jurisdição voluntária, como já destacado anteriormente.
Em sendo assim, não havendo justificativa capaz de infirmar a conclusão obtida na Instância originária, o desprovimento do apelo é inarredável.
CONCLUSÃO
Com tais considerações e razões de decidir, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume o r. decisum atacado.
Condeno os apelantes ao pagamento de custas recursais e de honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 600,00 (seiscentos reais), em virtude da resistência apresentada nesta Instância.
É o meu voto.
DES. ALBERTO VILAS BOAS - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. WASHINGTON FERREIRA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."