Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJSP - Curatela. Exercício compartilhado. Discordâncias entre os genitores do curatelado devem ser superadas em prol de seu pleno desenvolvimento

terça-feira, 05 de abril de 2022, 18h41

CURATELA. EXERCÍCIO COMPARTILHADO. DISCORDÂNCIAS ENTRE OS GENITORES DO CURATELADO DEVEM SER SUPERADAS EM PROL DE SEU PLENO DESENVOLVIMENTO. Insurgência contra sentença de procedência. Sentença reformada. Ambos os genitores manifestaram interesse na curatela e se revelam aptos ao exercício do múnus. Melhor interesse do curatelado preservado com o exercício da curatela compartilhada. Precedente. RECURSO PROVIDO.(TJSP - AC: 10184843720188260577 SP 1018484-37.2018.8.26.0577, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 08/03/2022, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/03/2022).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1018484-37.2018.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante (...), é apelada (...) (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 3a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO PAZINE NETO (Presidente) E DONEGÁ MORANDINI.

São Paulo, 8 de março de 2022.

CARLOS ALBERTO DE SALLES

Relator (a)

Assinatura Eletrônica

3a CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação nº: 1018484-37.2018.8.26.0577

Comarca: São José dos Campos

Apelante: A. C. O.

Apelado: B. L. X. O.

Juiz sentenciante: Eduardo Isamu Sugio

VOTO Nº: 26022

CURATELA. EXERCÍCIO COMPARTILHADO. DISCORDÂNCIAS ENTRE OS GENITORES DO CURATELADO DEVEM SER SUPERADAS EM PROL DE SEU PLENO DESENVOLVIMENTO. Insurgência contra sentença de procedência. Sentença reformada. Ambos os genitores manifestaram interesse na curatela e se revelam aptos ao exercício do múnus. Melhor interesse do curatelado preservado com o exercício da curatela compartilhada. Precedente. RECURSO PROVIDO.

Trata-se de ação de curatela, cujos pedidos foram julgados procedentes para declarar o réu relativamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil e nomeando (...) sua curadora definitiva, não podendo o curatelado "emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado ou praticar qualquer negócio jurídico sem curador" (p. 211).

Inconformado, apela o genitor do curatelado, sustentando, em suma, que sempre exerceu poder familiar sobre o curatelado, tendo os estudos social e psicológico realizados demonstrado a importância de sua presença para o desenvolvimento do incapaz. Afirma não ter se oposto à pretensão da genitora do curatelado, por reconhecer sua incapacidade, mas que pretende a curatela compartilhada para promover sua convivência com o filho, além do melhor interesse do curatelado, ressaltando que o estudo psicossocial não identificou fatores que contraindiquem o exercício da curatela compartilhada.

Apresentadas contrarrazões (ps. 230/237) e parecer da D. Procuradoria de Justiça pelo provimento do recurso (ps. 258/262), encontram-se os autos em termos de julgamento.

É o relatório.

Prospera a irresignação.

A fixação de curatela compartilhada é uma

possibilidade que assiste ao juiz (art. 1.775-ACC), não se tratando do regime legal obrigatório ou preferencial, como ocorre com a guarda compartilhada.

De acordo com o E. Superior Tribunal de Justiça, sua fixação é possível quando ambos os genitores apresentarem interesse na curatela, revelarem-se aptos ao exercício do múnus e, a partir das provas colhidas em juízo, se verificar que essa é a solução que melhor atende aos interesses do curatelado. Confira- se:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 7/STJ. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. AUDIÊNCIA DE INTERROGATÓRIO OU ENTREVISTA. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. CURADOR ESPECIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. NULIDADE. DEVER DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. COMPARECIMENTO DO INTERDITANDO. DESNECESSIDADE. TOMADA DE DECISÃO APOIADA. FIXAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REQUERIMENTO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEGITIMIDADE EXCLUSIVA. CURATELA COMPARTILHADA. FIXAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA.

(...) 13- A curatela compartilhada é instituto desenvolvido pela jurisprudência que visa facilitar o desempenho da curatela ao atribuir o munus a mais de um curador simultaneamente.

14- Muito embora as normas jurídicas e os entendimentos fixados acerca da guarda compartilhada devam servir de norte interpretativo para a exata compreensão e aplicação da curatela compartilhada, deve-se respeitar não só as peculiaridades de cada instituto, mas também as disposições legislativas próprias que regulam cada uma das matérias.

15- Ao contrário do que ocorre com a guarda compartilhada, o dispositivo legal que consagra, no âmbito do direito positivo, o instituto da curatela compartilhada não impõe, obrigatória e expressamente, a sua adoção. A redação do novel art. 1.775-A do CC/2002 é hialina ao estatuir que, na nomeação de curador, o juiz "poderá" estabelecer curatela compartilhada, não havendo, portanto, peremptoriedade, mas sim facultatividade.

16- Não há obrigatoriedade na fixação da curatela compartilhada, o que só deve ocorrer quando (a) ambos os genitores apresentarem interesse no exercício da curatela, (b) revelarem-se aptos ao exercício do munus e (c) o juiz, a partir das

circunstâncias fáticas da demanda, considerar que a medida é a que melhor resguarda os interesses do curatelado .

17- Em virtude do caráter rebus sic stantibus da decisão relativa à curatela, não há óbice a que se pleiteie, nas vias ordinárias, a fixação da curatela compartilhada ou que, futuramente, comprovada a inaptidão superveniente da curadora para o exercício do munus, o decisum proferido neste feito venha a ser modificado.

18- Recurso especial conhecido em parte e, nesta extensão, não provido. ( REsp 1795395/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 06/05/2021 sem destaque no original.)

No caso, tanto apelante quanto genitora do apelado manifestaram interesse no exercício da curatela o ajuizamento da ação pela curadora e a interposição de recurso de apelação são evidência disso.

Em relação ao segundo requisito (aptidão para exercício do múnus), estudo social confirma que ambos a detêm:

"Pontua-se a existência de conflitos antigos mal resolvidos no relacionamento entre os adultos, os quais, aparentemente não foram solucionados, estando (...) no meio de conflitos que envolvem adultos. Apesar dessa situação conflituosa, ambos genitores deixam transparecer serem pais afetivos, responsáveis, demonstrando vínculos permanentes e carinhosos com relação ao filho, percebendo ser a recíproca verdadeira. Do ponto de vista social, no momento, não foram identificados fatores que contraindiquem o compartilhamento das responsabilidades entre os genitores" (ps. 119/120).

No mesmo sentido, a conclusão do estudo psicológico:

"Não mantem (sic) relacionamento amistoso e, segundo referem, não se comunicam diretamente para tratar de questões atinentes a (...). A mãe considera que não conta com suficiente suporte e assistência do ex-esposo à prestação dos cuidados ao filho. Em função da falta de diálogo entre eles, não considera que seja viável o compartilhamento de sua curatela. O pai, por sua vez, refere que há anos tem se responsabilizado por aspectos específicos dos cuidados dele, almeja ampliar sua convivência com o filho _ e indica que vem se organizando para tanto _ e a curatela compartilhada. A despeito desta dinâmica, apreende- se que segue preservada a vinculação afetiva entre o jovem e seus pais, e que a manutenção de sua convivência com ambos é aspecto salutar e enriquecedor a ele do ponto de vista psicológico _ vez que lhe oportuniza a dupla referência

parental, com suas especificidades e funções" (p. 193).

Resta, portanto, analisar o último requisito, qual seja, o melhor interesse do menor precisamente onde reside a maior dificuldade. Não há dúvida de que, embora a relação entre os genitores seja conflituosa e, no momento, até por isso, praticamente inexistente ambos são pais amorosos e preocupados com o filho.

Assim, conquanto a relação entre as partes não seja ideal no momento, é certo que a prioridade de ambos deve ser o bem-estar e a saúde física e mental de seu filho comum, portador de necessidades especiais, para os quais ambos têm o dever de contribuir.

Nesse sentido, o parecer da D. Procuradoria de Justiça:

"Respeitado o convencimento da genitora do incapaz, não se vislumbra óbice efetivo para a implantação da curatela compartilhada. Os pais de Bruno são muito amorosos e cuidadosos. Adotaram o incapaz quando ele tinha onze meses de idade, com quadro de desnutrição, exposição ao HIV e microcefalia. Seus pais biológicos eram drogadictos. A curadora é excelente mãe. Chegou a cursar pedagogia apenas para melhor atender ao filho. O genitor, da mesma forma, muito se empenha por (...). Faz questão de se presente em sua vida, contribui com alimentos de dois salários-mínimos, acrescidos de pagamento de convênio médico e escola. Aprendeu a cavalgar para auxiliar o filho nas sessões de equoterapia e gosta de viajar com Bruno". E também: "Incumbe aos genitores superar suas diferenças pessoais, dividindo as preocupações quanto a Bruno, que sempre vai depender do suporte de ambos" (p. 261).

Ainda que haja dificuldades no relacionamento entre as partes, tanto a assistência social como a psicologia identificaram que a convivência do apelante com seu filho lhe é benéfica do ponto de vista emocional e psicológico.

Indo além, no contexto, e porque a genitora do apelado não impugnou especificamente as alegações de que o apelante auxilia o curatelado com a emissão de documentos, alguns tratamentos (odontológico, por exemplo), viaja com ele frequentemente e o tem em sua companhia, a curatela compartilhada converge com o seu melhor interesse.

Necessário ressaltar que a curatela compartilhada será feita de maneira estruturada que permita aos genitores conviverem com seu filho sem terem de conviver entre si, ao menos nesse momento, diminuindo margem para que as disputas entre o ex-casal possam afetá-lo.

Para isso, impõe-se também o respeito ao acordo de convivência a que chegaram as partes para domicílio do curatelado e regime de visitas assegurado ao genitor (visitas às quartas-feiras, pernoite em finais de semana alternados e viagens nas férias).

Caso haja a necessidade de prática de atos da vida civil pelo curatelado, os curadores deverão buscar o consenso e, não sendo possível, recorrer ao Poder Judiciário.

Ante o exposto, dá-se provimento à apelação para estabelecer que a curatela de (...) será exercida de forma compartilhada entre (...), relativamente aos atos indicados na r. sentença, expedindo a zelosa Serventia o necessário.

CARLOS ALBERTO DE SALLES

Relator


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