Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TRT 7ª Região - Trabalhador com filho com transtorno do espectro autista. Redução de jornada. Possibilidade. Manutenção da remuneração. Direitos da Pessoa com Deficiência

segunda-feira, 18 de setembro de 2023, 13h06

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. ANÁLISE CONJUNTA AO RECURSO ORDINÁRIO APRESENTADO PELA PARTE RECLAMADA. MATÉRIA COMUM ENTRE OS APELOS. 1. TRABALHADOR COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). REDUÇÃO DE JORNADA. MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 98, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.112/1990. POSSIBILIDADE. Ante a carência de legislação específica, reputa-se aplicável, por analogia, o art. 98, §§ 2º e 3º da Lei 8.112/90 ao empregado que comprova a dependência de filho menor com deficiência que necessita de premente e constante acompanhamento multiprofissional das áreas de neuropediatria e fisioterapía, além de apoio pedagógico durante o período escolar, psicoterapia habilitada em ABA, Fonoaudiologia, terapias ocupacionais, encaminhamento a escola especial, bem como natação, por incidência de princípios oriundos dos arts. 1º, III, 5 º, 6 º, 7 º, 227 da CF e 3 º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, dentre outros normativos. A jurisprudência reiterada do C. TST, bem como deste Sétimo Regional, vem se posicionando no sentido de redução de jornada em 50%, ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, sem diminuição salarial para que a obreira acompanhe seu filho, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento. Portanto, nega-se provimento ao recurso ordinário interposto pela parte reclamada e dá-se provimento ao da reclamante, neste particular, para o fim de, reformando parcialmente a sentença recorrida, reconhecer o direito da reclamante à redução em 50% (cinquenta por cento) ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, da sua jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, mantendo-se a sentença quanto ao mais. 2. TUTELA DE URGÊNCIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MANUTENÇÃO. Restando evidenciada a probabilidade do direito postulado na ação, bem como o perigo de dano dos graves riscos ao desenvolvimento do filho da autora, portador de deficiência, com o indeferimento do pedido, impõe-se, pois, a manutenção da tutela deferida na Origem. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO. INDEVIDA. CONFIRMAÇÃO. Restara evidenciado nos autos que a empresa reclamada contribuíra, no que estava a seu alcance, no sentido de proporcionar à reclamante a viabilização do tratamento do seu filho, a julgar pelas declarações dos profissionais de saúde, em que se observa o acompanhamento da autora às sessões de tratamento do filho menor, tanto no período matutino como vespertino. Tal conduta empresarial fora ratificada pela reclamada em seu recurso, ao afirmar que "caso mantida a obrigação a Recorrente não se opõe ao cumprimento dela, desde que, tenha de forma clara, fixado como ocorrerá a cessação do cumprimento da obrigação e quem deverá atestar o fim da necessidade de acompanhamento do menor pela Reclamante". Em vista disso, não se há acolher o pleito indenizatório autoral a título de dano moral, em face do que mantém-se a sentença nesta parte, negando-se provimento ao apelo. Recurso ordinário não provido.(TRT7 - RORSum: 00000225120235070028, Relator: REGINA GLAUCIA CAVALCANTE NEPOMUCENO, 1ª Turma, Data de Publicação: 25/07/2023).

 

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 07ª REGIÃO
1ª Turma

 

Identificação

 

PROCESSO nº 0000022-51.2023.5.07.0028 (RORSum)

RECORRENTES:

RELATOR: REGINA GLAUCIA CAVALCANTE NEPOMUCENO

 

 

EMENTA

 

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. ANÁLISE CONJUNTA AO RECURSO ORDINÁRIO APRESENTADO PELA PARTE RECLAMADA. MATÉRIA COMUM ENTRE OS APELOS.

1. TRABALHADOR COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). REDUÇÃO DE JORNADA. MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 98§§ 2º E , DA LEI 8.112/1990. POSSIBILIDADE. Ante a carência de legislação específica, reputa-se aplicável, por analogia, o art. 98§§ 2º e  da Lei 8.112/90 ao empregado que comprova a dependência de filho menor com deficiência que necessita de premente e constante acompanhamento multiprofissional das áreas de neuropediatria e fisioterapía, além de apoio pedagógico durante o período escolar, psicoterapia habilitada em ABA, Fonoaudiologia, terapias ocupacionais, encaminhamento a escola especial, bem como natação, por incidência de princípios oriundos dos arts. III5 º, 6 º, 7 º, 227 da CF e 3 º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, dentre outros normativos. A jurisprudência reiterada do C. TST, bem como deste Sétimo Regional, vem se posicionando no sentido de redução de jornada em 50%, ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, sem diminuição salarial para que a obreira acompanhe seu filho, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento. Portanto, nega-se provimento ao recurso ordinário interposto pela parte reclamada e dá-se provimento ao da reclamante, neste particular, para o fim de, reformando parcialmente a sentença recorrida, reconhecer o direito da reclamante à redução em 50% (cinquenta por cento) ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, da sua jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, mantendo-se a sentença quanto ao mais.

2. TUTELA DE URGÊNCIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MANUTENÇÃO. Restando evidenciada a probabilidade do direito postulado na ação, bem como o perigo de dano dos graves riscos ao desenvolvimento do filho da autora, portador de deficiência, com o indeferimento do pedido, impõe-se, pois, a manutenção da tutela deferida na Origem.

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO. INDEVIDA. CONFIRMAÇÃO. Restara evidenciado nos autos que a empresa reclamada contribuíra, no que estava a seu alcance, no sentido de proporcionar à reclamante a viabilização do tratamento do seu filho, a julgar pelas declarações dos profissionais de saúde, em que se observa o acompanhamento da autora às sessões de tratamento do filho menor, tanto no período matutino como vespertino. Tal conduta empresarial fora ratificada pela reclamada em seu recurso, ao afirmar que "caso mantida a obrigação a Recorrente não se opõe ao cumprimento dela, desde que, tenha de forma clara, fixado como ocorrerá a cessação do cumprimento da obrigação e quem deverá atestar o fim da necessidade de acompanhamento do menor pela Reclamante". Em vista disso, não se há acolher o pleito indenizatório autoral a título de dano moral, em face do que mantém-se a sentença nesta parte, negando-se provimento ao apelo. Recurso ordinário não provido.

 

 

 

 

RELATÓRIO

 

Dispensada a elaboração de relatório, face ao rito sumaríssimo, em conformidade com o artigo 895§ 1º, inciso IV, da CLT.

 

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

 

 

 

ADMISSIBILIDADE

 

Presentes os pressupostos recursais extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer. Custas processuais recolhidas pela reclamada) e intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer). Conheço, pois, de ambos os recursos interposto pelas partes litigantes.

 

 

Preliminar de admissibilidade

 

 

 

 

Conclusão da admissibilidade

 

 

 

 

MÉRITO

 

 

 

 

Recurso da parte

 

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. ANÁLISE CONJUNTA AO RECURSO ORDINÁRIO APRESENTADO PELA PARTE RECLAMADA. MATÉRIA COMUM ENTRE OS APELOS.

1. DA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO.

Em sua petição inicial, a reclamante alegou que "teve sua CTPS anotada na função de atendente e atualmente exerce cargo com jornada laboral de 8 horas diárias e 40 horas semanais, trabalhando em home office, tendo em vista a possibilidade de realização nessa modalidade.

A autora relatou que"possui um filho chamado (...) , que possui quatro anos de idade, onde foi diagnosticado com autismo, CID-10: F84.0 e CID-11- 6A02, conforme se verifica da documentação médica que segue anexo. A criança necessita de acompanhamento multidisciplinar para o desenvolvimento cognitivo, conforme laudos médicos anexos. O acompanhamento que foi determinado consiste em apoio pedagógico durante o período escolar, psicoterapia habilitada em ABA, Fonoaudiologia, terapias ocupacionais, encaminhamento a escola especial, bem como natação (conforme relatórios de atividades anexa), em todas as atividades aconselhadas a presença da mãe se faz imprescindível para o bom desenvolvimento da criança".

Prosseguiu relatando a demandante que"atualmente exerce jornada de trabalho das 09:00 hrs às 17:12 hrs, de segunda a sexta-feira. Por conta disso, a autora não tem como acompanhar o dia a dia de seu filho visto que o seu trabalho ocupa atualmente todo o horário comercial do dia".

Em vista disso, entende a autora que" deve ser deferida a sua mãe a a redução de carga horária sem a redução de proventos, e sem necessidade de compensação de horário ".

Contestando, a reclamada alegou, em suma que"a Reclamante nunca laborou em jornada de 8 horas diárias conforme quer fazer crer a exordial, estando expressamente impugnada tal informação, já que a Reclamante labora em jornada de 7hs12 minutos, com uma hora de intervalo intrajornada para alimentação e duas pausas de 10 minutos para descanso".

Outrossim, alegou que"O horário de trabalho informado não condiz com a realidade fática já que a Reclamante labora atualmente em jornada diversas, das 06hs às 14hs12 ou das 09hs às 17hs12. Ademais ela começou a se ativar no horário de 09hs as 17hs12 a partir da data de 16/03/2021, portanto a quase dois anos, não havendo como demonstrar o periculum in mora".

Seguiu relatando a reclamada que"A Reclamante efetivamente já exerceu a jornada de 6hs diárias, 6 x 1, mas desde a data de 16/03/2021 está exercendo sua jornada de 7hs12, 5 x2, tal jornada é inclusive mais benéfica para a Reclamante já que a mesma possui duas folgas semanais, coincidentes com o fim de semana, bem como intervalo intrajornada de 1 (uma) hora. Já a jornada de 6hs diárias, 6 x1 é em escala, sendo que nem sempre a folga coincide com os fim de semanas, tendo um intervalo para alimentação de 20 minutos e duas pausas de 10 minutos. Outro benefícios da jornada de 7hs12 é o fornecimento de vale alimentação, conforme ACT".

Ainda afirmou a demandada que"A alteração não pode ser realizada já que vedada pela legislação pertinente. Repita-se não há legislação trabalhista que permita a redução da jornada do trabalhador de forma lesiva. Não há que se falar na concessão de liminar ou mesmo de confirmação no mérito para redução da jornada da Reclamante, em 50%, sem redução do salário, em virtude de deficiência de seu filho menor por falta de previsão legal para tanto. Registra-se outrossim que conforme relatado pela Reclamante nos autos a criança já se encontra em tratamento deste 01/2022, e portanto há mais de um ano, sem prejuízo das atividades da Reclamante".

Ao final, a reclamada requereu"o indeferimento do pedido liminar, bem como da tutela antecipada pleiteada. E requer com isso o indeferimento do pedido de redução da jornada de trabalho pelos fundamentos supramencionados".

Tutela provisória de urgência deferida em sentença (Fls.: 374).

O juízo de primeiro grau decidiu da seguinte forma:

"Julgar em parte os pleitos PROCEDENTES deduzidos na reclamação trabalhista proposta por  (...) em face de (...), para condenar a reclamada a cumprir, em 48h após o trânsito em julgado desta decisão, a obrigação de fazer de reduzir a jornada de trabalho da reclamante para 6 horas diárias, de segunda a sábado, sem redução de salário, e sem reposição de horário, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho deficiente, bem como, seja mantida a reclamante em trabalho remoto. Nos termos da fundamentação supra, defiro a tutela provisória para a que a empresa cumpra a obrigação de reduzir a jornada de trabalho da obreira em 48 horas após sua notificação, antes mesmo do trânsito em julgado da presente demanda, sem redução da remuneração. O descumprimento da obrigação de fazer tem como consequência a multa de R$ 200,00 ao dia limita a trinta dias, sendo possível a gradação da multa com o objetivo da efetiva entrega da tutela jurisdicional."

Inconformadas, as partes interpuseram Recursos Ordinários.

Em seu apelo, a reclamante, ratificando a tese inicial retro expendida, acrescentou que"Na verdade, a decisão do juízo de piso só prejudicou a reclamante, pois, além de manter às 36 horas semanais, aumentou a quantidade de dias a serem laborados, já que antes a obreira só laborava de segunda a sexta, e agora terá que laborar de segunda a sábado, o que dificultou mais ainda o acompanhamento de seu filho que é portador de autismo".

Entende pois, a autora/recorrente que" merece reforma a sentença de mérito no intuído de que seja deferido uma redução de 50% da jornada de trabalho da obreira, sem o prejuízo de sua remuneração, nos termos pleiteados na exordial ".

À sua vez, a reclamada alegou, em suas razões recursais, que"De imediato se verifica uma interferência direta na gestão empresarial em violação direta ao artigo 170 da Constituição. Isso porque, não cabe ao Judiciário determinar que um ou outro trabalhador da empresa permaneça ou não no regime de home office - trabalho remoto. Tal determinação constitui verdadeira ingerência ao poder diretivo do empregador e fere de morte o princípio constitucional da livre iniciativa. Não é esse o papel do Judiciário".

Afirmou a empresa ré que" a Eg. Turma deve deixar claro que a obrigação imposta se exaurirá no momento em que não houver mais a necessidade de acompanhamento do filho pela obreira ".

Outrossim, entende a reclamada que"A bem da verdade, deveria o Juízo ter determinado u perícia médica antes made dar a decisão. Porém, caso mantida a obrigação a Recorrente não se opõe ao cumprimento dela, desde que, tenha de forma clara, fixado como ocorrerá a cessação do cumprimento da obrigação e quem deverá atestar o fim da necessidade de acompanhamento do menor pela Reclamante. Do contrário, a Recorrente não terá como cumprir e verificar a existência da condicionante contida na obrigação imposta".

Por fim, alegou a promovida que"cabe registrar que o trabalho remoto dependerá da existência de vaga. Isso porque a operação em que a Reclamante estava laborando não pode ser realizada de forma remota. Todo o setor labora de forma presencial. Assim, ao se manter a obrigação, também deverá ser fixado prazo não inferior a 30 (trinta) dias para que a empresa possa analisar e identificar uma operação da qual a reclamante possa participar e que seja realizada de forma remota, sendo certo que durante tal período não haverá pagamento de salários em razão da ausência de labor, o que se requer".

Analisa-se.

Precedentemente à análise meritória, é importante destacar que o Brasil possui ampla normatividade referente à proteção de direitos fundamentais para pessoas com deficiência, tendo ratificado, com status de Emenda Constitucional, a Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Decreto 6.949/2009).

Um dos principais fundamentos desta Convenção é o reconhecimento do conceito evolutivo de deficiência, que não se restringe, atualmente, à inabilidade da principal pessoa afetada, e sim"resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas"(destaquei).

Disso decorre que é dever precípuo do Estado, e também da sociedade, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente (art. , Decreto 6.949/2009).

Paralelamente, o Estado Brasileiro também apresenta um ordenamento interno de viés garantista para a proteção e o desenvolvimento integral da criança e do adolescente, estabelecendo a CF/88, no artigo 227, ser"dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão"(destaquei).

Tal conjunto normativo é ladeado, ainda, pela Lei 8.069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 10.845/04, (Institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência), Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei 7.853/89 (dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências), e pelo Decreto 3.956/01, que promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala), dentre outras legislações esparsas sobre o tema.

Nessa linha, verifica-se no caso em apreciação que, em que pese não haver previsão legal na CLT autorizando a redução de jornada para o trabalhador em virtude da deficiência de seu dependente, reputa-se provado, in casu, que tal medida se revela absolutamente necessária e imperativa para o desenvolvimento sadio da criança, conforme documentos juntados à fl. 31 (Laudo Médico) e fl. 32/51 (Declarações da Fonoaudióloga), que atestam provam ser a menor portadora dos diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), havendo necessidade premente e constante de acompanhamento multiprofissional das áreas de neuropediatria e fisioterapía, além de apoio pedagógico durante o período escolar, psicoterapia habilitada em ABA, Fonoaudiologia, terapias ocupacionais, encaminhamento a escola especial, bem como natação.

Desse modo, ante a carência de legislação específica, permite a CLT, em seu artigo , o uso da analogia como meio integrativo do ordenamento jurídico, a fim de que um dispositivo legal que regula uma determinada situação seja utilizado para reger outra que não está regulamentada, mas que com a primeira guarda semelhança.

De aplicação analógica tem-se a disposição contida no art. 98§§ 2º e  da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o estatuto dos Servidores Públicos:

"Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

[...]

§ 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3º As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016)."(Destaquei)

Neste tocante, o Art. 4º da LINDB dispõe que, ante omissão legislativa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Depreende-se, pois, que o juiz não pode se recusar a analisar e julgar uma causa tendo como alegação a omissão da lei.

Ainda o § 2º do Art  da Constituição Federal de 1988 estabelece o seguinte:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

Por fim, importa asseverar, assim, que na Era Neoconstitucionalista (pós-1945), têm especial relevo a força normativa da Constituição e dos princípios, de modo que, diante da conjuntura fática e normativa exposta, revela-se consentânea com o ordenamento pátrio a solução supra referenciada, que se integra ao propósito constitucional de dignidade da pessoa humana e à construção de uma sociedade justa e solidária.

Nessa esteira, conforme bem ressaltou o juízo primevo:

"A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada com o rito do artigo § 3º, da Constituição Federal, possuindo, portanto, hierarquia de emenda constitucional, estabelece que o superior interesse da criança com deficiência receberá consideração principal (artigo 7º), versando ainda sobre as medidas efetivas para habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência, no estágio mais precoce possível (artigo 26). Destacamos também, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), promulgado pelo Decreto n. 3.321/99, com caráter supralegal ( RE 466.343-SP), traz, em seu artigo 18, o direito da pessoa com deficiência de recebimento de atenção especial, a fim de alcançar o máximo desenvolvimento de sua personalidade, por meio, dentre outros, da formação especial dos familiares, de modo a convertê-los em elementos atuantes do desenvolvimento físico, mental e emocional da pessoa deficiente".

A tal respeito, segue a jurisprudência emanada do C. TST, citada pelo juízo a quo, conforme a ementa adiante reproduzida:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA E MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. DESCENDENTE COM NECESSIDADES ESPECIAIS. Para prevenir possível violação do artigo § 3º, da Constituição Federal de 1988, resultante da decisão do Regional de julgar improcedente a pretensão, impõe-se a admissão do recurso de revista da reclamante. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA E MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. DESCENDENTE COM NECESSIDADES ESPECIAIS. Cinge-se a controvérsia em saber se a reclamante, servidora pública municipal desde 14/05/2014, ocupante da função de enfermeira emergencista, pode ou não obter judicialmente a redução da jornada ou algum outro mecanismo que lhe permita dispensar cuidados a seu filho, nascido em 26/02/2018 e diagnosticado com transtorno do espectro autista. Esta Turma, ao examinar pretensão semelhante, deduzida por servidores municipais ou estaduais, tem decidido pela existência do direito postulado (TST- RR-11204-62.2017.5.15.0144, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 04/12/2020; TST-RR-10409-87. 2018.5.15.0090, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/06/2021). Realmente, ainda que seja manifestamente inaplicável à reclamante o artigo 98§ 3º, da Lei nº 8.112/90, com a redação determinada pela Lei nº 13.370/2016, tendo em vista que não se trata de servidora federal, é certo que a mora legislativa do município reclamado não pode suprimir o direito essencial e premente que decorre da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 e chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, combinada com o artigo § 3º, da Constituição Federal de 1988. Impõe-se, portanto, o restabelecimento integral da sentença, que havia deferido a redução da jornada em 50%, sem prejuízo da remuneração e sem necessidade de compensação, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho, bem como fixado a multa diária e demais consectários da condenação. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 00100867020205150136, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 10/08/2022, 3ª Turma, Data de Publicação: 19/08/2022)".

Conforme relatado, a demandante, em sua petição inicial, alegou que"atualmente exerce jornada de trabalho das 09:00 hrs às 17:12 hrs, de segunda a sexta-feira. Por conta disso, a autora não tem como acompanhar o dia a dia de seu filho visto que o seu trabalho ocupa atualmente todo o horário comercial do dia".

Já a reclamada, em contestação, alegou que"O horário de trabalho informado não condiz com a realidade fática já que a Reclamante labora atualmente em jornada diversas, das 06hs às 14hs12 ou das 09hs às 17hs12. Ademais ela começou a se ativar no horário de 09hs as 17hs12 a partir da data de 16/03/2021, portanto a quase dois anos, não havendo como demonstrar o periculum in mora". [...]"A Reclamante efetivamente já exerceu a jornada de 6hs diárias, 6 x 1, mas desde a data de 16/03/2021 está exercendo sua jornada de 7hs12, 5 x2, tal jornada é inclusive mais benéfica para a Reclamante já que a mesma possui duas folgas semanais, coincidentes com o fim de semana, bem como intervalo intrajornada de 1 (uma) hora. Já a jornada de 6hs diárias, 6 x1 é em escala, sendo que nem sempre a folga coincide com os fim de semanas, tendo um intervalo para alimentação de 20 minutos e duas pausas de 10 minutos. Outro benefícios da jornada de 7hs12 é o fornecimento de vale alimentação, conforme ACT".

Em seu apelo, a reclamante, ratificando a tese inicial retro expendida, acrescentou que"Na verdade, a decisão do juízo de piso só prejudicou a reclamante, pois, além de manter às 36 horas semanais, aumentou a quantidade de dias a serem laborados, já que antes a obreira só laborava de segunda a sexta, e agora terá que laborar de segunda a sábado, o que dificultou mais ainda o acompanhamento de seu filho que é portador de autismo".

À sua vez, a reclamada alegou, em suas razões recursais, que"De imediato se verifica uma interferência direta na gestão empresarial em violação direta ao artigo 170 da Constituição. Isso porque, não cabe ao Judiciário determinar que um ou outro trabalhador da empresa permaneça ou não no regime de home office - trabalho remoto. Tal determinação constitui verdadeira ingerência ao poder diretivo do empregador e fere de morte o princípio constitucional da livre iniciativa. Não é esse o papel do Judiciário".

Nesse alinhamento de impressão, a despeito de a reclamada haver alegado que a reclamante está exercendo sua jornada de 7hs12, 5 x2, e que tal jornada lhe é mais benéfica, uma vez que a autora goza de duas folgas semanais, coincidentes com o fim de semana, bem como intervalo intrajornada de 1 (uma) hora, como bem destacou o juízo a quo," o fato de ser a jornada de trabalho menor que 8 horas diárias ("jornada de 7hs12 minutos") não prejudica o deferimento do pleito, visto que a redução pretendida é a redução "em 50% (cinquenta por cento)".

Tangente às alegações da reclamante formuladas em seu apelo, de que "a decisão do juízo de piso só prejudicou a reclamante", o juízo de primeiro grau esclareceu, por ocasião da decisão que julgou os aclaratórios ofertados pela demandante que "Ao tratar da alteração da jornada de trabalho, este Juízo ressaltou que não seria julgado totalmente procedente o pedido de redução da jornada de trabalho para não haver interferência no exercício da atividade empresarial, inexistindo contradição a redução durante os dias de semana" (Fl. 387.

Relativamente às razões recursais da reclamada, o juízo de origem deixou destacado, ao ensejo da decisão que julgou os declaratórios aduzidos pela empresa ré, que "As informações do médico particular foram utilizadas para a fundamentação e, por óbvio, é o profissional que deve esclarecer os questionamentos apresentados pela parte embargante, por serem fatos incertos e por ser necessária a análise técnica" (Fl. 407).

Nessa esteira, como dito adredemente, verifica-se no caso em apreciação que, em que pese não haver previsão legal na CLT autorizando a redução de jornada para o trabalhador em virtude da deficiência de seu dependente, reputa-se provado, in casu, que tal medida se revela absolutamente necessária e imperativa para o desenvolvimento sadio da criança, conforme documentos juntados à fl. 31 (Laudo Médico) e fl. 32/51 (Declarações da Fonoaudióloga), que atestam provam ser a menor portadora dos diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), havendo necessidade premente e constante de acompanhamento multiprofissional das áreas de neuropediatria e fisioterapía, além de apoio pedagógico durante o período escolar, psicoterapia habilitada em ABA, Fonoaudiologia, terapias ocupacionais, encaminhamento a escola especial, bem como natação.

Como bem esposado na sentença adversada, "A jornada estabelecida não visa apenas observar o que é mais benéfico para a obreira, mas também busca solucionar os anseios peculiares da formação do seu filho com a redução do tempo à disposição e sem por em risco o exercício da atividade empresarial que garante o permanência e custeio do emprego aqui em análise".

Por fim, de se destacar que, ao revés do que defende a recorrente, o pedido da parte autora não afronta seu poder de direção e autogestão da empresa, bem como que não se vislumbra que tenha o condão de provocar um desequilíbrio econômico-financeiro na empresa.

Conforme já consignado em linhas recuadas, a sentença recorrida julgou parcialmente o pedido, reduzindo jornada de trabalho da reclamante para 6 horas diárias de segunda até sábado.

Entretanto, a jurisprudência reiterada do C. TST, bem como deste Sétimo Regional, vem se posicionando no sentido de redução de jornada em 50%, ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, sem diminuição salarial para que a obreira acompanhe seu filho, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento, por aplicação analógica do art. 98§§ 2 º e 3 º, da Lei 8.112/90, com redação da Lei 13.370/2016.

Em abono ao entendimento acima delineado, inclusive com situação semelhante aos autos, citem-se arestos recentes da Colenda Corte Superior Trabalhista:

"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. RITO SUMARÍSSIMO. JORNADA DE TRABALHO. REDUÇÃO PARA CUIDADO DE FILHO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA (AUTISMO). EMPREGADO PÚBLICO. ANALOGIA. ART. 98§§ 2 º e 3 º, DA LEI 8.112/90. 1. O Tribunal Regional deferiu ao reclamante, empregado público, redução de jornada (50%), sem diminuição salarial para que o autor acompanhe sua filha, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento, por aplicação analógica do art. 98§§ 2 º e 3 º, da Lei 8.112/90, com redação da Lei 13.370/2016. 2. No contexto do processo de constitucionalização do Direito Administrativo, a utilização da analogia a fim de realizar a integração da lacuna normativa do regime jurídico aplicável ao reclamante encontra amparo na leitura contemporânea do princípio da legalidade administrativa, à luz do primado da juridicidade, de modo a não vincular o administrador público exclusivamente às diretrizes oriundas do Poder Legislativo, mas também para balizar sua atividade pelos valores e princípios constitucionais. 3. O caso dos autos abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, alçado à categoria de direito fundamental, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5 º§ 3 º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto 6.949/2009. 4. Desse modo, a aplicação analógica do art. 98§§ 2 º e 3 º, da Lei 8.112/90 à situação dos autos, envolvendo empregado público, decorre da incidência de princípios oriundos dos arts. III5 º, 6 º, 7 º, 227 da CF e 3 º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, não se vislumbrando qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Precedentes. Agravo não provido" ( Ag-AIRR-585-48.2021.5.12.0037, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 27/03/2023). (g.n.)

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA . LEI Nº 13.467/2017. HORAS NOTURNAS. NORMA COLETIVA. INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 297 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo interno conhecido e não provido, por ausência de transcendência da causa. Agravo conhecido e não provido. EMPREGADA PÚBLICA. FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) DE BAIXO FUNCIONAMENTO. DIREITO À REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE MATERIAL E DA DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 98§ 3º, DA LEI Nº 8.112/90. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. A discussão cinge-se em definir se há, ou não, direito de redução da jornada de trabalho da empregada pública para o melhor acompanhamento de filho com deficiência, sem necessidade de compensação ou redução de salários, por aplicação analógica do artigo 98§ 3º, da Lei nº 8.112/90. A Constituição Federal, em seu capítulo VII, garante especial proteção à família, conceituando-a como instituição fundamental e base da sociedade, responsável pelo pleno desenvolvimento e proteção dos indivíduos que a compõem. Com isso, estabelece que, além de toda sociedade e do Estado, é dever da família" assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão "(art. 227, caput , da CF/88). Notabiliza-se, portanto, a importância da entidade familiar na formação das crianças, adolescentes ou jovens submetidos aos seus cuidados, principalmente em situações de vulnerabilidade, como em alguns casos de pessoas com deficiência. Há, ainda, obrigação expressa, direcionada ao Estado, no sentido da necessidade de" criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação "(art. 227§ 1ºII, da CF/88). Sobre esse aspecto, com o advento da denominada"Convenção de Nova York"- a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, vigente no Brasil desde 25 de agosto de 2009, após ratificação, pelo Congresso Nacional, com equivalência a emenda constitucional, em virtude de haver sido observado o procedimento previsto no § 3º do artigo  da Constituição (Decreto nº 6.949), inaugurou-se um novo cenário normativo voltado à inclusão e proteção das pessoas com deficiência . Tais normas, complementadas pela Lei nº 13.146/2015 - a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) -, formam o que a doutrina denomina de"Bloco de Constitucionalidade"(URIARTE, Oscar Ermida - Aplicação judicial das normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos trabalhistas. Revista TST, Brasília, v. 77, n.º 2, (abr./jun. 2011), p. 137), passam a reger os referidos temas e afastam qualquer possibilidade de interpretação que conflite com os princípios e as regras nelas inseridos . Já no artigo 1º, a mencionada convenção traz como seu principal propósito"promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente". No artigo 23 (item 5), foi prevista a seguinte obrigação:" Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança , farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade . "(grifo nosso). Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015, em preceito similar ao contido na Carta Magna, dispõe que:"Art.  É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária , entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico."(grifo nosso). Diante desse arcabouço normativo, torna-se inconfundível o papel que a família, como entidade de apoio, exerce na habilitação e assistência necessárias ao gozo, pela pessoa com deficiência, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais a ela garantidos, sendo a intenção do legislador, portanto, a facilitação de condições efetivas para tanto . Foi justamente nessa toada que foi editado o artigo 98§§ 2º e , da Lei nº 8.112/90 - aplicável aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais -, cujo teor segue transcrito:"Art. 98. (...) § 2º - Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário; § 3º - As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência."(grifo nosso). Garante-se, assim, a redução da jornada de trabalho do servidor público federal com deficiência, assim como daquele que tenha cônjuge, filho ou dependente em tal situação, sem a necessidade de compensação de horário ou redução salarial. Embora inexista tal previsão na CLT, esta Corte Superior, mediante exercício integrativo (art.  da CLT), vem entendendo ser possível a sua aplicação analógica aos contratos de trabalho, pela promoção da igualdade material e observância do princípio da dignidade da pessoa humana, que permeiam, por óbvio, a relação em análise (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Na hipótese concreta, o TRT registrou que a autora possui filho portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), de baixo funcionamento, com necessidade de acompanhamento para realização de atividades simples do dia a dia, como alimentação, higiene e segurança. Constou que o dependente da reclamante"não apresenta noções de perigo, sendo evidente sua vulnerabilidade extrema para os atos da vida comum, com dependência de um adulto". O quadro fático delineado no acórdão regional revela, ainda, que o seu tratamento depende da realização de consultas diárias, em variados campos, como psiquiatria e demais atividades terapêuticas indicadas pelos profissionais. É de salientar, também, que todos esses cuidados são realizados pela autora, sem a ajuda do pai biológico. A Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, define que"a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". Ainda, segundo literatura da área, reitera-se ser fundamental a participação direta de pessoa da família no tratamento para evolução e melhora do dependente, em especial da mãe, que, para tanto, necessitará de tempo não só para a realização de tais ocupações, mas também para manutenção de sua saúde física e mental, através da prática do autocuidado. Pelo exposto, não merece reparo a decisão regional que, por aplicação analógica do artigo 98, § 3º, da CLT, deferiu a redução da jornada. Agravo conhecido e não provido"( Ag-AIRR-10144-56.2019.5.15.0153, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 25/11/2022). (g.n.)

"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM A DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO. EMPREGADA COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . A presente discussão ainda não foi objeto de pacificação no âmbito desta Corte, o que configura a transcendência jurídica da matéria em debate. Todavia, no caso, o Regional ratificou o entendimento adotado na sentença, no sentido de que a Autora, que possui filho com transtorno do espectro autista (TEA), faz jus à jornada reduzida, sem que isso implique diminuição da respectiva remuneração. Apoiou-se, para tanto, nos postulados da dignidade da pessoa humana e no da proteção à criança e ao adolescente, nos termos do disposto nos artigos III, e 227 da Constituição Federal, bem como no artigo 7º da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Este Tribunal vem decidindo que o empregado com filho portador de deficiência tem direito à redução da jornada, sem a correspondente diminuição da remuneração, de maneira a possibilitar a assistência necessária ao dependente. E a solução da controvérsia neste sentido atrai também a incidência dos princípios da solidariedade e da função social da empresa, inscritos no caput e no inciso III do art. 170 da Carta Política de 1988, os quais dispõem, no caso examinado, que o interesse patrimonial do empregador deve atuar em conformidade com o postulado maior da dignidade da pessoa humana. Logo, não se configura a ofensa ao art. II, da Constituição Federal. Julgados desta Corte. Não afastados, pois, os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo enseja a decisão. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação" ( Ag-AIRR-683-12.2019.5.17.0151, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 25/11/2022). (g.n.)

"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017 . PROLAÇÃO DE JULGAMENTO PELA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO RELACIONAL . RITO SUMARÍSSIMO. ALTERAÇÃO DA JORNADA SEM REDUÇÃO DE REMUNERAÇÃO OU NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO POSTERIOR. ACOMPANHAMENTO DE FILHA PORTADORA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). Conforme salientado na decisão agravada, o TRT, com base no arcabouço principiológico e normativo, além do conjunto probatório dos autos, reconheceu que a Reclamante necessita de redução de sua jornada de trabalho para prestar assistência ao seu filho menor portador de"transtorno autista - TEA", visando à concretização dos direitos fundamentais da criança portadora de necessidade especial. Tal entendimento encontra consonância com a jurisprudência desta Corte Superior. Assim, o Relator, pela via monocrática, manteve, pelos próprios e jurídicos fundamentos, a decisão objeto de recurso. Registre-se que a motivação por adoção das razões da decisão recorrida não se traduz em omissão no julgado ou na negativa de prestação jurisdicional. Isso porque a fundamentação utilizada pela instância ordinária se incorpora à decisão proferida pela Corte revisora - e, portanto, a análise dos fatos e das provas, bem como do enquadramento jurídico a eles conferido. Dessa forma, considerando-se que o convencimento exposto na decisão recorrida é suficiente para definição da matéria discutida em Juízo, com enfrentamento efetivo dos argumentos articulados pela Parte Recorrente, torna-se viável a incorporação formal dessa decisão por referência. Ou seja, se a decisão regional contém fundamentação suficiente - com exame completo e adequado dos fatos discutidos na lide e expressa referência às regras jurídicas que regem as matérias debatidas -, a adoção dos motivos que compõem esse julgamento não implica inobservância aos arts. 93IX, da CF/88, e 489II, do CPC/2015. Assim sendo, a prolação de julgamentos pela técnica da motivação relacional não viola os princípios e garantias constitucionais do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), além de preservar o direito à razoável celeridade da tramitação processual (art. 5º, LXXVIII). Revela-se, na prática, como ferramenta apropriada de racionalização da atividade jurisdicional. Nesse sentido, inclusive, posiciona-se a jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual a confirmação integral da decisão agravada não implica ausência de fundamentação, não eliminando o direito da parte de submeter sua irresignação ao exame da instância revisora. No mesmo sentido, decisões proferidas pelo STF. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557 caput, do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV," a ", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo desprovido" ( Ag-AIRR-3416-77.2016.5.22.0001, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 28/10/2022). (g.n.)

Em recente julgamento, já esta 1ª Turma Regional se posicionara neste sentido, como segue:

"Omissis. EMPRESA PÚBLICA. REDUÇÃO DA JORNADA COM MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. TRABALHADOR COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 98§§ 2º E , DA LEI 8.112/1990. Ao empregado de empresa pública que comprova possuir dependente (filho menor) com deficiência que necessita de premente e constante acompanhamento por vários profissionais das áreas psiquiátrica, psicológica e motora, aplica-se, por analogia, o artigo 98§§ 2 º e 3 º, da Lei 8.112/90, por incidência de princípios oriundos dos arts. III5 º, 6 º, 7 º, 227 da CF e 3 º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, dentre outros normativos, não se vislumbrando, portanto, qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Recurso não provido. TUTELA DE URGÊNCIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MANUTENÇÃO. Restando evidenciada a probabilidade do direito postulado na ação, bem como o perigo de dano dos graves riscos ao desenvolvimento do filho da autora, portador de deficiência, com o indeferimento do pedido, impõe-se, pois, a manutenção da tutela deferida na Origem. Recurso não provido. Recurso ordinário parcialmente conhecido; preliminares de nulidade rejeitadas e no mérito, parcialmente provido. PROCESSO nº 0000829-56.2022.5.07.0012 (ROT). RELATORA: REGINA GLÁUCIA CAVALCANTE NEPOMUCENO. Data de Julgamento: 24 de maio de 2023."

Destarte, à vista das razões fáticas e jurídicas retro esposadas, nega-se provimento ao recurso ordinário interposto pela parte reclamada e dá-se provimento ao da reclamante, neste particular, para o fim de, reformando parcialmente a sentença recorrida, reconhecer o direito da reclamante à redução em 50% (cinquenta por cento) ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, da sua jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, mantendo-se a sentença quanto ao mais.

2. TUTELA DE URGÊNCIA. MANUTENÇÃO.

Consoante amplamente discutido no tópico anterior, entende-se evidenciada a probabilidade do direito postulado na presente ação, bem como resta patente o perigo de dano dos graves riscos ao desenvolvimento do filho da autora com o indeferimento do pedido.

Assim, preenchidos os pressupostos exigidos pelo art. 300 do CPC, mantém-se a tutela de urgência deferida pelo decisum, a fim de que a parte demandada cumpra a obrigação no sentido de redução da jornada de trabalho da promovente.

Por todo o exposto, correta a sentença ao reconhecer o direito à reclamante de redução da jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário e com mudança de turno.

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. DO DANO MORAL. DA ALEGADA NEGATIVA DE CONDIÇÕES MÍNIMAS À GARANTIA DE CUIDADOS ESPECIAIS AO FILHO AUTISTA.

A este respeito, a sentença adversada indeferiu o pleito autoral de condenação da reclamada ao pagamento a título de indenização por dano moral, sob o fundamento, em suma, de que "restou demonstrado que a empresa tentou viabilizar o tratamento com o aceite das primeiras declarações do profissional de saúde que acompanha o filho da trabalhadora".

Em seu recurso, a reclamante sustentou o seguinte:

"Conforme se verifica das tratativas de ID. a1d77e9, a trabalhadora implorou que a empresa ajustasse a sua jornada de trabalho, de modo que pudesse garantir o mínimo de dignidade ao filho autista. Excelência, a empresa deixou inclusive de aceitar as declarações de acompanhamento do filho ao médico, passando a cobrar pelas ausências da trabalhadora, de modo que, o filho não poderia mais sequer ficar doente. A imposição de condições de trabalho dessa forma, sem demonstrar qualquer empatia pela condição da trabalhadora diante do seu filho com transtorno do espectro autista, configura hipótese de condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral in re ipsa".

À análise.

Não assiste razão à reclamante/recorrente, neste aspecto da demanda.

É assente em nosso ordenamento jurídico que a responsabilidade civil do empregador pressupõe a existência de três requisitos, a saber, a prática de ato ilícito ou com abuso de direito, o dano propriamente dito e o nexo causal entre o ato praticado pelo empregador e o dano sofrido pelo empregado, de sorte a atingir-lhe a esfera íntima, a honra e a imagem perante os demais trabalhadores ou terceiros.

A tal respeito, o art. 186 do Código Civil contempla expressamente o dano moral quando prevê que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

De se assinalar que a finalidade da indenização por danos morais consiste em desestimular a prática de atos atentatórios à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e a outros bens que, por sua natureza, não sejam passíveis de mensuração do efetivo valor monetário.

Assentadas tais premissas, verifica-se que no caso ora em análise, em que pese o inconformismo demonstrado no recurso autoral, não se vislumbram, todavia, razões plausíveis a justificar a reforma da decisão recorrida, neste ponto.

É que, como assentado pelo juízo de origem, "Os danos morais não são devidos por não ter a empresa ajustado a jornada de trabalho da obreira. Ainda que o desconhecimento da lei seja inescusável, aqui estamos diante de um controle de convencionalidade por ausência de norma interna que não foi produzida por razões políticos ou por inércia do legislativo".

Demais disto, restara evidenciado nos autos que a empresa reclamada contribuíra, no que estava a seu alcance, no sentido de proporcionar à reclamante a viabilização do tratamento do seu filho, a julgar pelas declarações dos profissionais de saúde (fls. 32/51), em que se observa o acompanhamento da autora às sessões de tratamento do filho menor, tanto no período matutino como vespertino.

Tal conduta empresarial fora ratificada pela reclamada em seu recurso, ao afirmar que "caso mantida a obrigação a Recorrente não se opõe ao cumprimento dela, desde que, tenha de forma clara, fixado como ocorrerá a cessação do cumprimento da obrigação e quem deverá atestar o fim da necessidade de acompanhamento do menor pela Reclamante".

Em vista disso, não se há acolher o pleito indenizatório autoral a título de dano moral, em face do que mantém-se a sentença nesta parte, negando-se provimento ao apelo.

Não provido, pois.

 

 

 

Item de recurso

 

 

 

 

Conclusão do recurso

 

Conhecer de ambos os recursos ordinários interpostos pelas partes litigantes, e, no mérito, negar provimento ao recurso ordinário interposto pela parte reclamada, e dar provimento ao da reclamante, para o fim de, reformando parcialmente a sentença recorrida, reconhecer o direito da reclamante à redução em 50% (cinquenta por cento) ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, da sua jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, mantendo-se a sentença quanto ao mais.

 

 

ACÓRDÃO

 

 

 

 

Cabeçalho do acórdão

 

 

 

 

Acórdão

 

ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA 1ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO, por unanimidade, conhecer de ambos os recursos ordinários interpostos pelas partes litigantes, e, no mérito, por maioria, negar provimento ao recurso ordinário interposto pela parte reclamada, e dar provimento ao da reclamante, para o fim de, reformando parcialmente a sentença recorrida, reconhecer o direito da reclamante à redução em 50% (cinquenta por cento) ou para 22 (vinte e duas) horas semanais, da sua jornada de trabalho, sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, mantendo-se a sentença quanto ao mais. Inalterado valor condenatório arbitrado na Origem. Vencida a Desembargadora Maria Roseli Mendes Alencar, que dava provimento ao recurso ordinário interposto pela parte reclamada para julgar improcedentes os pedidos da ação, revogando-se os efeitos da tutela antecipada e julgava prejudicado o recurso da reclamante. Participaram do julgamento os Desembargadores Plauto Carneiro Porto (Presidente), Maria Roseli Mendes Alencar e Regina Gláucia Cavalcante Nepomuceno (Relatora). Presente, ainda, o Procurador Regional do Trabalho Carlos Leonardo Holanda Silva. Não participou do julgamento o Desembargador Francisco Tarcísio Guedes Lima Verde Júnior (Férias). Fortaleza, 19 de julho de 2023.

 

 

Assinatura

 

REGINA GLAUCIA CAVALCANTE NEPOMUCENO

Relatora

 

 

VOTOS

 

 

 

 

Voto do (a) Des (a). MARIA ROSELI MENDES ALENCAR / Gab. Des. Maria Roseli Mendes Alencar

 

VOTO DIVERGENTE - VENCIDO

RECURSO DA RECLAMADA

DA REDUÇÃO DA JORNADA

O cerne da demanda envolve, de uma lado, a alegação da reclamada de que, em razão da ausência de previsão legal, não pode deixar de exigir do empregado o cumprimento da carga horária para a qual fora contratado; e, de outro, a pretensão de a autora de ter sua jornada de trabalho reduzida, para acompanhamento de seu filho menor portador de Transtorno do Espectro Autismo.

Com efeito, inexiste no ordenamento jurídico pátrio norma que autorize a redução da jornada de trabalho de empregado, sem redução de vencimentos ou compensação, para fins de proporcionar uma maior disponibilidade de tempo para o acompanhamento de filho deficiente.

Diga-se, outrossim, não haver cabimento para a aplicação analógica do disposto no art. 98§ 3º da Lei 8.112/90 com vistas a abranger a situação funcional da reclamante, beneficiando-lhe com a previsão legal de redução de jornada, por tratar a reclamada de empresa privada, sem qualquer vinculação com a Administração Pública.

Ainda que se reconheça a proteção dos direitos das crianças portadoras de deficiência, o fato é que inexiste norma específica própria que autorize a redução da jornada de trabalho para o qual o empregado fora contratado.

Deveras, não se ignora que a CF/88 tem por valor fundamental a dignidade da pessoa humana, elencando a saúde como direito fundamental social, tampouco olvida que é dever da família, do Estado e da sociedade, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, proteção prioritárias ( CF/88, art. , inciso III, art.  e 227). Também não se perde de vista que dentre os direitos da criança e do adolescente, está o de ter assegurado "por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade"( ECA, art. ).

Contudo, tal não pode se dar através da mera alusão a princípios gerais, sem a colmatação das lacunas e densificação da norma, com o equacionamento do caso concreto a partir de um cotejo e ponderação dos valores em jogo. E é exatamente por isso que não se pode simplesmente invocar princípios como se constituíssem "palavras mágicas", à margem de uma leitura integrada do ordenamento jurídico. Veja-se que, levado ao extremo, todos os pais de crianças, notadamente as que têm necessidades especiais, deveriam dedicar-se integralmente aos filhos - o que, no entanto, traria encargo excessivo e desproporcional para o empregador, que não pode meramente remunerar o empregado sem receber deste o trabalho correspondente.

A propósito da colisão de direitos fundamentais - como é o caso em liça, em que se tem, de um lado, o direito à proteção integral do menor, e, de outro, o princípio da legalidade, que assegura ao empregador o direito de de ter a devida contraprestação laboral conforme regras pré-estabelecidas pelo ordenamento jurídico -, diferentemente do que ocorre entre as regras, os conflitos entre princípios reclamam solução por meio da ponderação de valores, à luz do caso concreto.

Ronald Dworkin, em sua obra de referência, "Taking Rights Seriously" (livre tradução: levando os direitos a sério), após explicar que as regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicadas (dimensão do "tudo ou nada"), salienta com suma propriedade que os princípios, ao contrário,

"(...) possuem uma dimensão que não é própria das regras jurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles (...)" (apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 65).

Dessarte, não há como simplesmente acolher-se uma redução de jornada, ainda que mediante redução proporcional do salário e/ou compensação futura, sem verificar se esse é o único meio de garantir a incolumidade do núcleo essencial do direito da criança com necessidades especiais.

Por tudo quanto exposto, e, em especial, considerando a inexistência de norma jurídica prevendo o direito pleiteado, não subsiste argumento capaz de conferir à autora a redução da jornada de trabalho para o qual fora contratada.

Em assim, de se prover o recurso, para, reformando a decisão recorrida, julgar improcedente a pretensão autoral.

Prejudicado o recurso da autora.

Invertida a sucumbência, impõe-se condenado o reclamante ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% sobre a totalidade dos pedidos da ação (exceto honorários), ficando, todavia, em condição suspensiva de exigibilidade, ex vi do § 4º do art. 791-A da CLT e decisão proferida pelo E. STF no julgamento da ADI 5766 que, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, redator para o acórdão, decidiu declarar a inconstitucionalidade da expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" constante do referido dispositivo.

É como voto.

 

 


topo