Confissão obtida na delegacia, por si só, não basta para pronúncia, decide STJ Danilo Vital
quarta-feira, 15 de outubro de 2025, 15h58
A confissão do réu obtida na delegacia, se não for corroborada perante o juízo ou por outros elementos de prova judicializada, não serve para fundamentar a decisão de pronúncia.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu trancar a ação penal contra Francisco Mairlon Barros Aguiar, condenado pelo triplo homicídio conhecido como “Crime da 113 Sul”.
Mairlon foi acusado de executar o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Guilherme Villela, a advogada Maria Carvalho Mendes Villela, sua mulher, e a empregada Francisca Nascimento da Silva, em agosto de 2009, no apartamento da família, em Brasília.
No mês passado, a 6ª Turma anulou o processo que tratava da autoria intelectual do crime — a arquiteta Adriana Vilella, filha dos donos do apartamento, chegou a ser condenada como mandante dos assassinatos.
Mairlon está preso há quase 15 anos por causa da condenação no Tribunal do Júri. Ele foi representado na ação pela ONG Innocence Project, que assumiu a defesa por identificar a possibilidade de erro judicial.
Anteriormente, houve uma tentativa da revisão criminal, rejeitada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. No STJ, a 6ª Turma reconheceu a causa de nulidade e foi além: votou para trancar a ação.
O Ministério Público do Distrito Federal poderá oferecer nova denúncia se entender que há provas suficientes para isso.
Confissão, a rainha das provas
O erro judicial no caso decorreu da forma como a confissão foi obtida na delegacia, mediante coação: foram horas de interrogatório sem descanso. E esse foi o único elemento que embasou a decisão de pronúncia — a que leva o réu por crime contra a vida para julgamento pelo júri.
A confissão não foi repetida em juízo. Além disso, não há outra prova da participação de Mairlon no crime. Dessa maneira, o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do recurso, votou por dar provimento ao pedido da defesa.
Ele afirmou que, se os depoimentos da fase extrajudicial incriminam o réu e outros depoimentos, já em juízo, o inocentam, cabe ao juiz confrontar esses elementos com as demais provas da instrução criminal, o que não ocorreu.
“É inadmissível que, em um Estado democrático de Direito, um acusado seja pronunciado e condenado por um tribunal de juízes leigos apenas com base em elementos de informação da fase extrajudicial dissonantes da prova produzida em juízo e sob o crivo do contraditório”, disse o ministro.
O colegiado aplicou as orientações fixadas em 2024 pela 3ª Seção do STJ para limitar os efeitos da confissão do suspeito nos casos criminais.
Pronúncia afastada e ação trancada
A votação foi unânime. A sugestão de trancar a ação penal foi do ministro Rogerio Schietti. A proposta original era anular a decisão de pronúncia, o que manteria Mairlon como réu em um processo criminal.
“Se para o início do processo até se tolera que haja ainda uma dose de subjetivismo da prova, não podemos aceitar que se leve uma pessoa a julgamento pelo júri com base em depoimentos colhidos em uma delegacia, não confirmados em juízo e retratados sem que sejam objeto de uma análise judicial séria, isenta, objetiva e racional”, disse Schietti.
O ministro Og Fernandes destacou que os vídeos dos depoimentos tomados pela polícia durante a investigação, e que foram exibidos pela defesa no julgamento, mostram não a busca da verdade, mas “quase uma coação moral, em regra aplicada a pessoas de pouca estrutura intelectual e que são coagidas a assumir tal versão porque isso encerra, bem ou mal, a atividade policial”.
REsp 2.232.036
Fonte:Conjur