Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

A prova possível na judicialização de medicamentos não incorporados para doenças raras: Interpretação sistêmica das súmulas vinculantes 60 e 61

segunda-feira, 07 de julho de 2025, 16h27

O portador de doença rara, enquanto usuário do SUS, é titular de direitos expressamente garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), notadamente o direito universal e igualitário ao acesso à saúde (art. 196, CRFB/1988).

 

Essa condição, por si só, deveria assegurar o atendimento integral de suas necessidades clínicas pela rede pública, nos moldes dos princípios da integralidade, equidade e universalidade que regem o SUS (art. 7, I, II e IV da lei 8.080/1990).

 

Na prática, contudo, os pacientes acometidos por enfermidades de baixa prevalência enfrentam um cenário de desassistência e invisibilidade. Faltam protocolos clínicos específicos, há escassez de medicamentos incorporados e, não raramente, a omissão estatal perpetua a exclusão desses indivíduos do cuidado público efetivo.

 

Ao contrário do que ocorre com doenças mais prevalentes, muitas delas contempladas por diretrizes terapêuticas padronizadas, o indivíduo com doença rara frequentemente encontra obstáculos regulatórios, científicos e logísticos que dificultam ou inviabilizam o acesso ao tratamento adequado.

 

Reconhecendo essas especificidades clínicas e os desafios assistenciais próprios das doenças raras, o Ministério da Saúde instituiu, por meio da portaria GM/MS 199/14 (atualmente incorporada à portaria de consolidação 2/17, em seu anexo XXXVIII), a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Para os fins dessa política pública (art. 3º do anexo XXXVIII da portaria de consolidação 2/17): "considera-se doença rara aquela que afeta até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 a cada 2.000 habitantes.".

 

Trata-se, portanto, de um grupo populacional estatisticamente reduzido, o que impacta diretamente na priorização e no desenvolvimento de terapias específicas.

 

Mais delicados ainda são os casos de doenças ultrarraras, cuja prevalência é igual ou inferior a 1 caso para cada 50 mil habitantes, conforme previsto no art. 2º da resolução 563/17 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Essa baixa prevalência, aliada à complexidade clínica, contribui para a ausência de protocolos e a não incorporação de medicamentos ao SUS. Por essa razão, frequentemente o acesso ao tratamento é negado, restando ao paciente buscar o Judiciário para garantir o fármaco prescrito.

 

Nesse contexto, reconhecendo as peculiaridades que envolvem os portadores de doenças raras e ultrarraras, o STF, ao julgar o RE 657.718/MG (Tema 500 da repercussão geral), estabeleceu critérios específicos para a concessão judicial de medicamentos sem registro sanitário na Anvisa.

 

A tese firmada ao estabelecer critérios excepcionais para a concessão judicial de medicamentos sem registro na Anvisa, em seu item 3, "I", excepcionou expressamente os casos de doenças raras e ultrarraras, afastando a exigência de pedido de registro no Brasil, reconhecendo a inviabilidade regulatória em razão da baixa prevalência e do desinteresse comercial.

 

Neste sentido, o voto vista do ministro Alexandre de Moraes, proferido no julgamento do Tema 500 (RE 657.718/MG), no qual reconhece expressamente a excepcionalidade das doenças raras (p. 15):

 

Então, há essa problemática da dificuldade de análise dos medicamentos órfãos até por parte da Anvisa, uma vez que não pedido o registro, também ela não tem obrigatoriedade de analisar. São aqueles medicamentos destinados a doenças que atingem até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas a cada dois mil indivíduos, nos termos do art. 3º da portaria 199, de 1914, que definiu, no Brasil, com parâmetros mundiais, obviamente, o que é doença rara e semi rara. É crucial, obviamente, que, nesses casos, haja um procedimento de análise para verificação da disponibilidade desses medicamentos.

 

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