IBDFAM: Alienação Parental: A Responsabilidade dos Pais em Relação aos Transtornos Causados nas Crianças e nos Adolescentes.
quarta-feira, 08 de outubro de 2025, 16h52
Introdução
O presente trabalho versará sobre pesquisa qualitativa, baseada em revisão bibliográfica onde tratará da alienação parental como um fenômeno jurídico e psicológico de crescente relevância no cenário social contemporâneo, especialmente diante do aumento de litígios familiares e da fragilidade nas relações parentais pós-divórcio. A prática de desqualificação de um dos genitores perante o filho menor compromete não apenas o direito à convivência familiar, mas também o desenvolvimento emocional e psicológico saudável da criança. Diante desse contexto, o presente artigo propõe uma análise crítica sobre a responsabilidade dos pais frente à alienação parental, abordando aspectos históricos, jurídicos e psicossociais do tema, bem como o papel protetivo do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ademais, o estudo apresenta um comparativo entre o tratamento jurídico da alienação parental no Brasil e em outros países da América Latina, América do Norte e Europa, evidenciando avanços e desafios na efetivação do princípio do melhor interesse da criança. A proposta é refletir sobre os limites éticos e legais da conduta parental e sobre a necessidade de responsabilização efetiva quando a integridade emocional dos filhos é violada.
1. Da Responsabilidade Civil à Responsabilidade Parental: Evolução Histórica
A responsabilidade civil, conforme prevista no ordenamento jurídico brasileiro, refere-se à obrigação de reparar um dano causado a outrem em virtude da violação de um direito. Como observa Higa (2024), esse instituto remonta às civilizações antigas, como a Babilônia e a Roma Antiga. O direito romano influenciou fortemente os sistemas jurídicos contemporâneos, inclusive no que tange à responsabilidade. Nos primórdios da civilização, prevalecia a chamada "vingança privada", conforme exemplificado pela Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”. Essa norma previa a retaliação proporcional ao dano sofrido, e conferia à vítima o direito de executar pessoalmente a punição ao ofensor.
A Lei das Doze Tábuas também consagrou esse modelo de justiça retributiva, classificando os delitos como públicos ou privados. Os crimes públicos recebiam penas corporais (como mutilações, exílio ou morte), enquanto os delitos privados eram passíveis de indenizações pecuniárias. À época, ainda não havia distinção clara entre responsabilidade civil e penal, mas já se notavam os embriões dessa diferenciação, conforme bem pontua Santos (1997, p. 9):
[...] Reafirmamos, pois, que é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil e penal. As condições em que surgem é que são diferentes [...] A reparação civil reintegra, realmente, o prejudicado da situação patrimonial anterior [...]; a sanção penal não oferece nenhuma possibilidade de recuperação ao prejudicado [...]
Com o desenvolvimento das instituições jurídicas e o surgimento da república romana, introduziu-se o conceito de compensação monetária como forma de reparação. Um dos marcos nesse processo foi a Lex Aquilia, norma que consolidou a responsabilidade extracontratual (delitual), distinguindo-a da contratual. A responsabilidade aquiliana tornou-se referência nos sistemas jurídicos modernos, influenciando diretamente códigos como o Código Napoleônico e o Código Civil Brasileiro de 1916.
O Código Civil de 2002 deu nova roupagem à responsabilidade civil, estabelecendo regras mais claras e sistematizadas. Nos artigos 186, 187 e 927, o legislador afirma que a prática de ato ilícito, por ação ou omissão, gera obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos previstos em lei ou quando a atividade exercida implicar risco inerente. Para a configuração da responsabilidade civil, é necessária a presença dos seguintes elementos (Pereira, 2024): conduta, nexo causal, dano e culpa (ou risco objetivo).
Com o passar dos anos e as demandas existentes na área da família, surge a responsabilidade parental, como uma extensão da responsabilidade civil, com foco nos deveres jurídicos e morais dos pais em relação aos filhos. Esses deveres são expressamente previstos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil. O artigo 229 do Código Civil dispõe: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
A Constituição Federal, em seu artigo 227, também estabelece o dever da família de assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, educação, dignidade e convivência familiar. Tal preceito orienta o princípio do melhor interesse da criança, que serve como fundamento das decisões judiciais que envolvem guarda e convivência familiar.
Mesmo em casos de separação conjugal, o exercício da autoridade parental ou poder familiar, não se extingue, devendo ser compartilhado entre os genitores. A corresponsabilidade é fundamental para garantir o equilíbrio emocional da criança. Quando há prejuízo ao cumprimento desse dever, especialmente nos casos de alienação parental, surge a possibilidade de responsabilização civil e, em certas hipóteses, também penal.
1.1 A alienação parental: sua relevância social e fundamentação jurídica
A alienação parental pode ser entendida como um processo de manipulação emocional, no qual pela interferência na formação afetiva da criança ou adolescente, provocada por um dos genitores, ou por terceiros com autoridade sobre o menor, com o objetivo de dificultar ou impedir a convivência com o outro genitor. Essa conduta, intencional ou não, promove o afastamento afetivo, prejudicando gravemente o desenvolvimento emocional da criança e comprometendo seu direito à convivência familiar saudável.
Como destaca Maria Berenice Dias (2011), a alienação parental constitui verdadeira violência psíquica e uma grave violação ao direito fundamental da criança à convivência familiar saudável. Para a autora, essa prática precisa ser encarada como forma de abuso emocional e não pode ser naturalizada ou banalizada nas disputas judiciais de guarda.
Na sociedade contemporânea, marcada por uma crescente incidência de divórcios e disputas judiciais envolvendo guarda e visitas, a alienação parental tem se tornado um problema social recorrente. A sua banalização nos processos de separação e guarda, aliada à desinformação sobre seus efeitos, impõe ao Poder Público e ao Judiciário o desafio de identificar e coibir práticas alienadoras, muitas vezes sutis, porém devastadoras para o vínculo entre pais e filhos.
A alienação parental é, portanto, não apenas uma questão familiar, mas um fenômeno que envolve violações de direitos fundamentais da criança e compromete valores como a afetividade, a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse do menor — princípios estruturantes do Direito de Família e da proteção integral conferida à infância e juventude.
A legislação brasileira reconhece expressamente a alienação parental como prática ilícita e danosa. O principal marco normativo sobre o tema é a Lei nº 12.318/2010, que define a alienação parental como.
A interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (Art. 2º)
A lei exemplifica condutas caracterizadoras de alienação parental, como: dificultar o contato da criança com o outro genitor; apresentar falsas denúncias contra o genitor alienado; omitir informações pessoais relevantes da criança ao outro genitor; desqualificar a autoridade ou a imagem do outro genitor perante a criança.
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, estabelece em seu artigo 227 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar, à dignidade e ao desenvolvimento pleno. A alienação parental, ao obstruir esses direitos, configura afronta direta a esse preceito constitucional.
Adicionalmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º, afirma que é dever da família garantir à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar, enquanto o artigo 5º reforça que nenhuma criança será submetida a tratamento desumano, violento ou constrangedor, o que se aplica diretamente aos casos de alienação parental, que envolvem manipulação emocional e coerção psicológica.
O ECA também confere ao Poder Judiciário a competência para aplicar medidas de proteção nos casos em que houver violação desses direitos (art. 98 e art. 101), incluindo: mudança de guarda; mediação familiar; advertência aos responsáveis; suspensão ou perda do poder familiar em casos extremos.
Apesar da existência de um marco legal específico, a aplicação da Lei nº 12.318/2010 enfrenta desafios práticos. A dificuldade de comprovação da alienação parental, por vezes camuflada em discursos afetivos ou sob o pretexto de "proteger" a criança, exige do Judiciário uma atuação técnica, sensível e interdisciplinar. A perícia psicológica, a escuta especializada e o acompanhamento por equipes multiprofissionais são instrumentos fundamentais para garantir decisões fundamentadas e eficazes.
Outro ponto relevante é o debate sobre o uso indevido da alegação de alienação parental como mecanismo de defesa em ações que envolvem acusações legítimas de abuso ou negligência. A crítica reside no risco de se deslegitimar denúncias reais, sobretudo em casos de violência doméstica. Isso exige dos operadores do Direito uma análise cautelosa, que distinga alienação parental de legítimos pedidos de proteção à integridade física e psicológica do menor.
FONTE: IBDFAM