arquivo(s) anexado(s)
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Roda de conversa defende políticas públicas para garantia de direitos

por ANA LUÍZA ANACHE
terça-feira, 05 de outubro de 2021, 17h26
![]()
No aniversário de 33 anos da Constituição da República Federativa do Brasil (5 de outubro), o Centro de Apoio Operacional (CAO) de Defesa dos Direitos Humanos, Diversidade e Segurança Alimentar do Ministério Público do Estado de Mato Grosso promoveu o terceiro encontro da série “Direitos Humanos em Debate”. Com o tema “População em situação de rua e sua proteção jurídica”, foram convidados para o debate o líder do Movimento Nacional de População em Situação de Rua em Cuiabá, Alan Teixeira de Lima, e o defensor público federal Renan Sotto Mayor.
Os expositores defenderam a necessidade de políticas públicas e de orçamento para a garantia dos direitos humanos da população de rua, uma vez que essa situação, por si só, já representa violação de direitos. Abordaram a importância da moradia, da capacitação, do atendimento psicossocial e da assistência social, do direito à água, de dar visibilidade a essas pessoas, ouvi-las e de realizar um trabalho em rede para garantir direitos humanos e cidadania a essas pessoas.
Morador de um albergue e líder do Movimento Nacional de População em Situação de Rua em Cuiabá, Alan Teixeira de Lima emocionou os participantes do evento com a sua fala e o relato de tudo que passa a população em situação de rua. Disse que tratar direitos humanos começa pelo direito de fala e por isso agradeceu pelo convite e pela realização do evento.
“A sociedade tem que escutar a população em situação de rua, que é oprimida e massacrada. Essa população tem se multiplicado cada vez mais. Com a pandemia, aumentou o número de desempregados, de pessoas que não conseguem mais pagar o aluguel, que estão em estado de vulnerabilidade. Precisamos buscar políticas públicas”, defendeu.
Alan falou sobre a falta de suporte preventivo da assistência social para evitar que a pessoa vá parar na rua; sobre a dificuldade em acessar o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) na capital em razão da distância; ausência de banheiros e bebedouros públicos na cidade. Lembrou que ninguém nasce na rua, que medidas são necessárias para evitar esse desfecho. “Estamos aqui querendo apoio, que vocês nos ajudem a construir uma nova história e voltar para a sociedade com dignidade”, afirmou, acrescentando que a má administração do dinheiro público reflete diretamente nessa população.
“Cobertor e comida não trazem dignidade e não mudam a situação. Não queremos caridade, queremos políticas públicas e direitos humanos garantidos. Queremos diálogo, apoiadores e que nos estendam as mãos. Moradia em primeiro lugar, esse deve ser o ponto de partida. É preciso investir na população de rua para ter bons resultados. Temos que tentar e estender os direitos previstos na Constituição para essa população”, conclamou o líder do Movimento Nacional de População em Situação de Rua em Cuiabá.
O defensor público federal Renan Sotto Mayor ponderou que múltiplas situações e questões envolvem a população de rua, que não se trata de uma escolha, e que a pandemia agravou o quadro por conta do desemprego e da crise econômica. Segundo ele, existe uma discrepância entre o mundo jurídico-normativo e o mundo real de violação de direitos humanos. Revelou que dados estatísticos apontam que 91% dessa população vive em situação de miséria extrema, sem o mínimo existencial, inclusive água. “Só vamos conseguir trazer o respeito aos direitos humanos dessas pessoas se tivermos acesso a políticas públicas com orçamento. O Estado precisa colocar isso como prioridade”, defendeu.
Conforme Renan, a Constituição Federal prometeu uma série de direitos sociais que atualmente vêm sendo desconstruídos. “Não temos como falar em direitos humanos e políticas públicas sem falar em orçamento. As promessas constitucionais estão sendo frustradas por uma questão de teto orçamentário, o que é absolutamente inconstitucional”, sustentou. Ele falou sobre o paradoxo da invisibilidade da população de rua sob o ponto de vista dos direitos fundamentais e da visibilidade perante o Direito Penal. “O censo demográfico não computa pessoas em situação de rua. Como então vamos pensar em políticas públicas se não temos dados?”, questionou.
Renan ainda apresentou estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que apontaram um crescimento de aproximadamente 119% no número de pessoas em situação de rua no Brasil em cinco anos, de 2015 a março de 2020, passando de 101 mil para 221 mil. “Quantos temos agora? Não sabemos”, acrescentou. Por último, falou sobre a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos Humanos nº 40, de outubro de 2020, e de uma resolução recentemente aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que “trazem o olhar dos operadores de Direito para essa população”. Para ele, é preciso usar esses instrumentos normativos como instrumentos de luta, se apropriar deles no dia a dia para efetivar os direitos dessa população.
O evento - Realizado com apoio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), o evento ocorreu por meio da plataforma Teams, com transmissão ao vivo pelo canal do MPMT no YouTube (assista aqui). Atuaram como mediadores o promotor de Justiça colaborador do CAO Carlos Rubens de Freitas Oliveira Filho, e a auxiliar ministerial do CAO Ana Vitória S. de Azevedo Pontes.
Na abertura da roda de conversa, o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, reforçou a preocupação da administração do MPMT com os direitos humanos, o que levou à criação do CAO no ano passado. Lembrou que existe projeto em andamento para criação de uma casa de passagem para a população em situação de rua e vulnerabilidade social, com a participação do MPMT, idealizado pela então procuradora de Justiça Julieta do Nascimento Souza, que faleceu vítima da Covid-19.
Ressaltou o papel do Ministério Público e da Defensoria Pública na defesa das minorias, e reforçou o momento político delicado de pseudoliberalismo. “Estão tentando diminuir cada vez mais o que foi buscado na Constituição de 1988, como uma constituição de transformação social. Nós ainda nem vivemos essa transformação e já estão querendo retroagir ao que nem sequer alcançamos”, salientou.
No encerramento, o promotor de Justiça coordenador do CAO Direitos Humanos, Henrique Schneider Neto, falou sobre a importância da parceria entre as instituições, da quebra de barreiras corporativistas, da atuação coletiva e sinérgica. Agradeceu a exposição dos palestrantes e declarou que essas contribuições lhe dão condições de encontrar saídas no labirinto em que está inserido funcionalmente.