STJ julga remição de pena por amamentação; advogadas analisam
segunda-feira, 14 de abril de 2025, 15h42
Na última quarta-feira, 9, a 3ª seção do STJ iniciou o julgamento do HC 920.980, que discute a possibilidade de remição de pena pelo trabalho de cuidado materno prestado por mulher encarcerada durante o período em que permaneceu com seu bebê na ala de amamentação da penitenciária.
Durante o julgamento, a subprocuradora-Geral da República Raquel Dodge divergiu do parecer do MPF e defendeu a concessão do habeas corpus. Ela pontuou que negar a remição a mulheres que optam por cuidar de seus filhos no cárcere desestimula a maternidade e perpetua desigualdades de gênero. Por outro lado, reconhecer essa atividade como trabalho contribui para a reintegração social, o fortalecimento dos vínculos familiares e o pleno desenvolvimento da criança.
(Imagem: Christian Tragni/Folhapress)
O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, defendeu que os cuidados maternos prestados por mulheres encarceradas devem ser reconhecidos como trabalho para fins de remição de pena. Segundo S.Exa., essa equiparação é justa e juridicamente viável, com base em uma interpretação sistemática da legislação.
O ministro ressaltou a necessidade de interpretação ampla do conceito de trabalho, visando promover equidade de gênero, e lembrou que a jurisprudência já admite outras formas de atividade, como leitura e artesanato. Também citou o Protocolo do CNJ de Julgamento com Perspectiva de Gênero, que orienta a superação de estereótipos prejudiciais às mulheres.
Após o voto do relator, o ministro Joel Ilan Paciornik pediu vista, suspendendo o julgamento.
Justiça mais sensível às especificidades de gênero
As advogadas Cecilia Mello, Flávia P. Amorim e Marcella Halah, autoras do artigo "A Amamentação como Trabalho de Cuidado para Fins de Remição da Pena", publicado na obra "Proteção Jurídica dos Cuidados", defendem o reconhecimento do cuidado materno como uma legítima forma de contribuição social no contexto prisional, ainda que não remunerado.
Elas citam que a 5ª turma do STJ já enfrentou tema semelhante ao julgar caso relatado pelo ministro Messod Azulay Neto. Em decisão unânime, a turma reconheceu o direito à remição a mulher que amamentava o filho na creche da Penitenciária de Mogi Guaçu/SP. O voto se baseou em interpretação extensiva do art. 16 da lei de execução penal, tendo como fundamentos a dignidade da pessoa humana e a proteção integral à criança.
Em abril de 2024, o TJ/SP também reconheceu como trabalho o período em que uma detenta amamentou o filho recém-nascido, determinando a redução do tempo necessário para progressão do regime fechado ao semiaberto. O relator, desembargador Mazina Martins, enfatizou a importância do cuidado materno na primeira infância.
Para Cecilia Mello, as recentes decisões representam um marco na valorização da economia do cuidado no sistema prisional.
"Ao reconhecerem que a amamentação pode justificar a remição de pena, essas decisões não apenas alinham-se ao precedente pioneiro do TJ/SP, como também corrigem uma omissão histórica: a desconsideração do trabalho invisível realizado por mulheres encarceradas. Trata-se de um passo decisivo rumo a uma justiça mais equitativa e sensível às especificidades de gênero, que reconhece a maternidade como um exercício legítimo e essencial de cuidado."
As advogadas alertam que, segundo dados do Ministério da Justiça, cerca de 44% das mulheres encarceradas são mães, e mais de uma centena delas estão em fase de amamentação. No entanto, a ausência de regulamentação específica sobre a remição nesses casos impede que essas mulheres exerçam plenamente os direitos previstos na legislação penal.
Nesse sentido, elas destacam a importância da PEC 14/24, em tramitação no Congresso Nacional, que propõe a inclusão do direito ao cuidado como direito social constitucional. Se aprovada, a mudança terá impacto direto nas diretrizes da execução penal feminina e nas políticas públicas de assistência à mulher presa.
Fonte: MIGALHAS