Informativo 562 - STJ - Atos infracionais cometidos antes do início do cumprimento e medida de internação
quarta-feira, 24 de julho de 2019, 07h51
O adolescente que cumpria medida de internação e foi transferido para medida menos rigorosa não pode ser novamente internado por ato infracional praticado antes do início da execução, ainda que cometido em momento posterior aos atos pelos quais ele já cumpre medida socioeducativa.
STJ. 5ª Turma. HC 274.565-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 12/5/2015 (Info 562)
Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas, adolescente de 17 anos, em 05/05/2013, praticou ato infracional equiparado ao art. 121 do CP.
Em 07/07/2013, cometeu ato infracional equiparado ao art. 157 do CP.
Em 02/02/2014, foi julgado pelo homicídio, recebendo como medida socioeducativa a internação.
Após seis meses na internação, o adolescente, em razão de seu bom comportamento, progrediu para o regime de semiliberdade.
Algum tempo depois, o adolescente foi sentenciado pelo roubo (art. 157 do CP), recebendo como medida socioeducativa novamente a internação.
Agiu corretamente o juiz ao aplicar novamente a internação ao adolescente por este segundo fato?
NÃO. O adolescente que cumpria medida de internação e foi transferido para regime menos rigoroso não pode ser novamente internado por ato infracional praticado antes do início da execução, ainda que cometido em momento posterior aos atos pelos quais ele já cumpre medida socioeducativa. Isso está previsto na Lei n. 12.594/2012, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional:
Art. 45. Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida, a autoridade judiciária procederá à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o defensor, no prazo de 3 (três) dias sucessivos, decidindo-se em igual prazo.
§ 1º É vedado à autoridade judiciária determinar reinício de cumprimento de medida socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos máximos, e de liberação compulsória previstos na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), excetuada a hipótese de medida aplicada por ato infracional praticado durante a execução.
§ 2º É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema.
No art. 45, caput e parágrafos foram traçadas as regras a serem seguidas no caso de superveniência de nova medida socioeducativa em duas situações distintas, quais sejam:
- por ato infracional praticado DURANTE a execução da medida (regra do § 1º);
- por ato infracional cometido ANTES do início do cumprimento da medida (hipótese do § 2º).
Assim, em nosso exemplo, o ato infracional foi praticado antes do início do cumprimento da internação. Logo, deve-se aplicar a regra contida no § 2º do art. 45: o juiz não pode aplicar nova medida de internação.
O raciocínio do legislador foi o seguinte: se o adolescente já esteve na internação e ganhou o direito de ir para um regime mais brando, isso significa que já passou por um processo de ressocialização e retornar para a internação seria um retrocesso.
Quando falamos em adolescente em conflito com a lei, devemos lembrar que o objetivo da medida não é punitivo (não existe pretensão punitiva), mas sim educativo, considerando que o adolescente está em condição peculiar como pessoa em desenvolvimento (art. 6º do ECA), sujeito à proteção integral (art. 1º).
Ademais, deve-se recordar que a aplicação da medida socioeducativa de internação rege-se pelos princípios da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar do jovem em desenvolvimento (art. 121 do ECA), segundo os quais aquela somente deverá ser aplicada como ultima ratio, ou seja, quando outras não forem suficientes à sua recuperação.
Veja o que explica Guilherme de Souza Nucci:
(...) No caso da execução de medidas socioeducativas, por razões de política estatal, estabelece-se, em lei (o que não ocorre em Direito Penal), o critério da absorção. Assim sendo, todos os atos infracionais cometidos pelo menor, antes do início do cumprimento de medida socioeducativa, precisam ser visualizados como um conjunto único – e não como fatos isolados, gerando punições igualmente isoladas. Por isso, quando o adolescente se encontra em cumprimento de medida socioeducativa em razão de ato infracional, já tendo obtido progressão, em virtude de seu mérito, impõe a lei seja qualquer outro ato infracional absorvido pelo primeiro, que deu origem à execução. O objetivo é não prejudicar o bom andamento da execução, tratando-se de fruto de política estatal no campo infantojuvenil. Na prática, o juiz deve extinguir o feito, em que se apura o ato infracional, declarando ter sido ele absorvido, nos termos deste artigo. Por derradeiro, é preciso lembrar que o cometimento de ato infracional após o início do cumprimento da execução de medida socioeducativa, mesmo tendo havido progressão, não autoriza a absorção. Deve haver a apuração e imposição de outra medida, seguindo para o juízo de execução a fim de se operar a unificação. (NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.465-1.466)
O termo “anteriormente” contido no § 2º do art. 45 da Lei n. 12.594/2012 refere-se ao início da execução, não à data da prática do ato infracional que originou a medida extrema primeiramente imposta.
FONTE: Dizer o Direito, escrito por Márcio André Lopes Cavalcante (Informativo 562 do STJ - versão completa ou versão resumida).